terça-feira, 26 de maio de 2020

Interestelar - Esperança e frustração


Tempestades gigantescas de poeira. Crise nas plantações que acarretam em ondas de fome pelo planeta. Um investimento massivo e desesperado dos governos direcionado unicamente para a agricultura, na tentativa de suprir a mais básica das necessidades da humanidade: a fome.

Um mundo que se cansou da humanidade e está, aos poucos, se livrando dela. Essas são as regras com as quais nos deparamos já logo no começo de Interestelar, filme dirigido pelo aclamado (ou odiado) diretor de filmes com plot twist, Christopher Nolan.

O primeiro sentimento que o filme me passa é a frustração. Cooper, vivido por Matthew McConaughey, é um ex-piloto da Nasa que devido as atuais condições do mundo, se vê obrigado a abandonar suas imensas habilidades para se dedicar unicamente em tocar uma fazenda, para produção de comida.

Essa realidade servia como grilhões para a mente de Cooper. Seu sogro em um momento lhe diz: “Cooper, você era bom em algo, e nunca pode usar sua competência para nada”. Seu coração clamava por algo mais, por um propósito maior, mas sua realidade o prendia de tal forma que nem mesmo lhe permitia ter uma perspectiva de mudança.

Quantas vezes eu já não senti isso? Muitas noites, com a cabeça escorada no vidro de um ônibus, voltando do trabalho, meu coração queimava por esse desejo. Queremos algo mais, algo maior, diferente da realidade em que vivemos. Mas a correria do dia a dia serve como correntes, as vezes tão bem fixadas em nós que não enxergamos alternativas, nem formas de alterar o que nos deixa infeliz.


Mas o filme nunca assume um tom definitivo de pessimismo. A trilha está sempre lá, nos lembrando que sempre valerá a pena continuar sonhando, mesmo que a situação seja um tanto desesperadora. A trilha tem muito dessa sensação, quase como uma convocação para uma grande aventura, embora ela também traga um sentimento de solidão muito profundos. As vezes é quase como se ela nos conduzisse ao espaço profundo, nos fazendo mergulhar no completo abandono das estrelas, encarando nossa própria insignificância.

Em um determinado momento, Cooper se depara com um escape de toda a frustração que ele carrega. Um drone perdido sobrevoa acima dele, o compelindo a imediatamente parar tudo que está fazendo e se lançar em uma perseguição desenfreada.

E essa cena! Sei que ela é bem piegas, mas eu a acho maravilhosa! O carro cortando pela plantação, o drone distante, a música tocando, o brilho nos olhos de Cooper... um momento em que ele se esqueceu que é um fazendeiro, esqueceu das tempestades de poeira e da situação das lavouras, seguindo apenas seu impulso de liberdade.

Experimentamos isso todas as vezes, no ligar de um vídeo game, no abrir de um livro ou no início de um filme. Fugimos de nossa realidade para embarcar em uma aventura reluzente, esquecendo de nossos problemas, nossas mágoas e as correntes que nos prendem. Mesmo que por breves momentos, conseguimos ser verdadeiramente livres!

É claro que só pra depois voltarmos para a realidade da qual não podemos fugir, hehehe!

Mas então algo acontece e tudo muda na vida de Cooper. Surge uma oportunidade, um chamado para uma missão. O “algo a mais” que ele tanto esperava.  Sem pensar duas vezes, Cooper se lança de cabeça nessa chance, não para salvar a humanidade, mas para salvar a própria alma de seus próprios demônios.

Isso tende a acontecer em nossas vidas também, não concorda? Uma oportunidade que aparentemente é aquilo que estávamos esperando. Prontamente esticamos nossos braços e agarramos essa chance de mudar. Essa chance de triunfar.

Mas nem sempre as coisas vão bem. Nem sempre nossos planos dão certo. E para Cooper, isso é esmagador.

Deixando sua filha para trás (o filho não parece impactar muito ele, hehe!), com a promessa de que da próxima vez que eles se encontrassem, ambos teriam a mesma idade. A missão era cercada de incertezas, mas mesmo assim ele decidiu partir. Sua filha lhe implorou, mas mesmo assim ele foi.

Uma das minhas trilhas favoritas é Mountains. Ela começa a tocar no exato momento em que a tripulação entra na atmosfera do primeiro planeta alvo da expedição. Ela começa quase que imperceptível, apenas um lento tic tac. Mas cada som desse contator impiedoso equivale a um ano que se passava na Terra.

O primeiro planeta que  a expedição encontra ficava muito próximo ao buraco negro, por isso o tempo lá funcionava de forma diferente. A música começa a acelerar, enquanto Cooper percebe que alguma coisa está errada. A trilha explode quando percebemos que a gigantesca onde vem em direção da nave. Um gigantesco imprevisto, que os atinge com força e os mantém naquele planeta mais tempo de que planejavam.

Ao conseguir finalmente sair de sua atmosfera, Cooper se dá conta da terrível realidade. Mais de vinte anos se passaram na Terra. Sua filha cresceu, se tornou adulta. Seu filho casou-se, teve filhos. Toda a vida que supostamente seria a dele, se perdeu e nada lhe restava a não ser chorar.

O preço pago foi absurdamente caro. O tempo passou e nada poderia ser feito a respeito.

Novamente o filme ressoa comigo. Afinal, não somos assim? Só nos damos conta do valor daquilo que temos quando a perdemos. Quantos arrependimentos você coleciona? Quantas vezes você não sentiu desejo de voltar atrás, tomar aquela decisão diferente... quantos amigos não ficam pelo nosso caminho?

Sou como Cooper, hoje sinto saudades de muita coisa que tive anos atrás, que na época julguei não me serem suficientes. Hoje, só restam as mensagens acumuladas e o tempo que passou de forma inexorável.

Em busca da tal mudança, muitas vezes os pequenos detalhes nos passam despercebidos e quando nos damos conta, os anos já se acumulam atrás de nós. Naquele momento, Cooper já não quer mais salvar a humanidade, nem servir para um propósito maior. Ele só quer voltar para casa, para sua filha. 

E quanto mais ele segue na missão, mais as coisas dão errado e mais ainda a situação se torna irreversível. As coisas dão tão erradas que em um momento parece que não será possível mais atingir coisa alguma, nem salvar a espécie, nem voltar para a Terra.

O arco do segundo planeta, onde se encontra o doutor Mann, vivido por Matt Damon é o momento mais baixo de toda a missão, o momento de maior desesperança de todo o filme.

                Doutor Mann havia sido, juntamente com outros astronautas, enviados em uma missão suicida, para explorar o espaço através de um buraco negro, em busca de um planeta habitável. Heroicamente ele se lançou nessa missão e desembarcou em um planeta estéril.

                Ali, ele sabia que nenhuma expedição viria em seu encontro. Seu destino estava definido, morreria ali, naquele planeta distante, esquecido pelo tempo, em completo abandono. A solidão e o desespero o enlouquecem a ponto de mandar dados falsos para a Terra, na esperança de trazer uma expedição em seu resgate.

                Assim como Cooper, Mann tomou uma decisão que lhe cobrou um preço caro demais para suportar e mesmo que suas ações condenassem toda a raça humana, se isso significasse sua sobrevivência, ele estava disposto a fazer.

                Ele se justifica de que seu instinto de sobrevivência o faz agir, enquanto seu próprio remorso o esmaga e o envergonha. Mas mesmo assim, ele sabota a missão toda, praticamente ferra o rolê todo, tentando desesperadamente se apossar da nave e voltar para casa. Mesmo que essa casa esteja condenada.

                Desesperado, talvez até mais que o Cooper, ele rouba uma das naves que a tripulação utilizava para adentrar na atmosfera dos planetas, partindo para tomar a “nave mãe”, que é a única forma de se fazer uma viagem longa pelo espaço.

                Mas ao tentar acoplar, Mann só consegue destruir ambas as naves. A explosão destrói por completo a nave pequena em que ele estava e arremessa a “nave mãe” em direção ao planeta. A nave vai girando para piorar mais ainda. 

Aquela nave não suportaria a entrada na atmosfera. Cooper precisava encontrar uma maneira de para-la e precisava fazer isso rápido, pois o tempo era extremamente curto.

                Nesse momento, vem a minha trilha favorita: No Time For Caution. Cooper vê a terrível situação, percebe o que ele tem que fazer, algo que parece impossível, acoplar com a nave girando freneticamente. Nesse momento, qualquer outro teria falhado. Aquele era o momento para o qual ele estava destinado, uma situação que somente ele poderia resolver.

                Aquele era o momento pelo qual ele estava esperando!

                Um dia eu espero escrever uma cena tão grandiosa quanto essa! Esse é o momento do filme que nos diz que, apesar de tudo dar errado, apesar da situação estar mais que grave, não desista! Não se entregue!

                Afinal, isso é tudo que nos resta. Lutar, cada dia mais, continuar lutando, até que a vida abandone nossos corações. Toda a trilha me passa essa sensação. De que o universo é grandioso e perto dele, não somos nada. Que as coisas serão assustadoras e em muitos momentos, tudo irá dar errado. Mas que em algum momento, conseguiremos passar pela onda gigante, conseguiremos nos fazer valer de nosso propósito, mas nunca sem pagar um preço.

                Nestes dias difíceis que vivemos, essa é a mensagem mais valorosa que podemos receber. A tempestade já cai sobre nós e parece piorar a cada dia. O desespero nos domina em alguns momentos, assim como tomou conta de Cooper em algumas partes do filme.

                Mas só nos resta resistir, lutar até o último instante que isso nos for possível. Ao fim, chegaremos não exatamente aonde pensávamos que iriamos chegar, afinal, a ultima coisa que Cooper queria era encontrar sua filha já idosa. Mas de alguma forma ele encontrou o lugar ao qual ele pertencia agora. De uma forma totalmente diferente da qual ele imaginava, ele cumpriu sua jornada, o “algo a mais” que ele tanto buscava.

                Se cuidem, meus caros, e até a próxima!



quarta-feira, 13 de maio de 2020

Um retorno, um pedido de desculpas e um muito obrigado

Olha só quem está de volta! Os tempos são tão estranhos e imprevisíveis que resolvi ressuscitar meu antigo e esquecido blog. Nesse tempo todo parado aqui em casa, senti uma imensa necessidade de ter um lugar para escrever, pra evitar que meus dedos enferrujem, e qual o melhor lugar para fazer isso do que este? 

Se formos analisar as coisas friamente, o blog está abandonado a quase quatro anos. Quando leio as coisas que escrevia aqui antes, percebo o quanto minha escrita e minha pessoa mudaram. E isso acabou por levantar uma curiosidade: como seriam meus posts se feitos hoje em dia? 

Quando esse blog começou, eu tinha uma grande vontade de contar histórias, mas nem de longe tinha as habilidades para tal. Eu inventava muita coisa, mas não sabia escrever ainda. Houveram inúmeras tentativas de escrever um livro, com capítulos até mesmo sendo publicados por aqui, vamos ver se me lembro dos nomes... “A quarta horda” e o outro acho que os “imortais” ou algo do tipo. 

Mas quem em sã consciência começa a escrever já tentando fazer um livro? 

Até hoje não cheguei a concluir uma grande história. Mas graças a Aline, uma grande amiga que está sempre me incentivando a melhorar, comecei a trilhar o caminho de maneira correta: escrevendo contos. 

Ah, então escrevi muitos contos nesse tempo todo? Muitos é uma palavra forte... escrevi alguns, e graças novamente a Aline, comecei a inscrevê-los em concursos. Já tive alguns contos selecionados e publicados, o que traz uma satisfação imensa. É isso mesmo, se você procurar nos lugares certos, vai encontrar livros com histórias minhas!  E isso mudou tudo. Não que o fato de ter sido publicado faça meu ego subir (e até faz), mas cada concurso que participei, tanto os que fui selecionado, quanto os que não; cada conto que escrevi, me fez evoluir um pouco. 

Toda vez que olho o quão diferente minha escrita está, fico impressionado. Aprendi muito com isso, com o processo de criar uma história curta, as vezes de duas páginas, as vezes de dez. Reescrever, revisar, reescrever de novo... todo esse processo é muito difícil, mas muito prazeroso. 

E nesse ponto, tenho que falar da Luva Editora. 

Já foram três vezes que eles selecionaram contos meus para suas coletâneas. Cada um destes contos exigiu um esforço diferente e produziram resultados bem distintos. O primeiro, a muito tempo atrás, era um conto mais contido, curto... a primeira vez que me arriscava a escrever algo de terror e o segundo concurso que participava. 

A segunda vez, o conto era um pouco maior, acho que oito páginas e tinha requisitos bem específicos: encaixar na mitologia do Senhor Iku que eles estavam criando. Foi um grande desafio. 

A terceira... foi um conto que levei um mês pra escrever. Jurupari, uma história cheia de inspirações em Lovecraft, mas com um tempero tupiniquim. Foram várias versões descartadas antes de encontrar o tom certo pra história e quando vi que havia sido selecionado... fiquei muito feliz... 

E aqui cabe um grande pedido de desculpas. 

Esse conto, Jurupari, foi selecionado para uma coletânea que iria para financiamento coletivo, o Melhor do Te(Ho)rror nacional. Um projeto grandioso, de longe o mais ambicioso do qual já fiz parte. A campanha foi lançada no Catarse e todos os autores selecionados se engajaram na divulgação. Eu mesmo atazanei um bom número de pessoas para contribuírem. 

O projeto foi um grande sucesso, atingindo um valor acima da meta. Mas no meio da campanha, a quarentena chegou por aqui, e devo confessar que isso me tirou o foco da parte final da jornada. Não vou dizer que foi por isso, ou por aquilo, mas vou apenas pedir desculpas. 

Pessoal da Editora Luva, se algum de você chegarem a ler este trecho, saibam que vocês são incríveis, o projeto foi espetacular e foi um grande prazer fazer parte dele. E perdão pela inatividade no final. 

Cabe aqui também um imenso obrigado a todos que contribuíram, aquela minha promessa ainda está em pé, quando o livro chegar em suas mãos, tragam que darei os autógrafos.  

Deixo aqui o site da editora: https://luvaeditora.com.br. O grande livro roxo, de capa espetacular, chamado “A funerária do Senhor Iku” tem um conto meu. 

E é isso, o meu grande retorno ao velho CronicaEx. Tenho várias ideias que quero colocar em prática nos próximos dias, muita coisa que quero escrever e contar, espero poder ver você por aqui. É sempre bom ter alguém lendo, mesmo que seja apenas um.  

Fiquem bem, lavem as mãos, não acreditem naqueles que negam a realidade e até a próxima!