Tempestades gigantescas de poeira. Crise nas plantações que acarretam em ondas de fome pelo planeta. Um investimento massivo e desesperado dos governos direcionado unicamente para a agricultura, na tentativa de suprir a mais básica das necessidades da humanidade: a fome.
Um mundo que se
cansou da humanidade e está, aos poucos, se livrando dela. Essas são as regras com
as quais nos deparamos já logo no começo de Interestelar, filme dirigido pelo
aclamado (ou odiado) diretor de filmes com plot twist, Christopher Nolan.
O primeiro sentimento
que o filme me passa é a frustração. Cooper, vivido por Matthew McConaughey, é
um ex-piloto da Nasa que devido as atuais condições do mundo, se vê obrigado a
abandonar suas imensas habilidades para se dedicar unicamente em tocar uma
fazenda, para produção de comida.
Essa realidade servia
como grilhões para a mente de Cooper. Seu sogro em um momento lhe diz: “Cooper,
você era bom em algo, e nunca pode usar sua competência para nada”. Seu coração
clamava por algo mais, por um propósito maior, mas sua realidade o prendia de
tal forma que nem mesmo lhe permitia ter uma perspectiva de mudança.
Quantas vezes eu já não senti isso? Muitas noites, com a cabeça escorada no vidro de um ônibus, voltando do trabalho, meu coração queimava por esse desejo. Queremos algo mais, algo maior, diferente da realidade em que vivemos. Mas a correria do dia a dia serve como correntes, as vezes tão bem fixadas em nós que não enxergamos alternativas, nem formas de alterar o que nos deixa infeliz.
Mas o filme
nunca assume um tom definitivo de pessimismo. A trilha está sempre lá, nos lembrando
que sempre valerá a pena continuar sonhando, mesmo que a situação seja um tanto
desesperadora. A trilha tem muito dessa sensação, quase como uma convocação
para uma grande aventura, embora ela também traga um sentimento de solidão
muito profundos. As vezes é quase como se ela nos conduzisse ao espaço
profundo, nos fazendo mergulhar no completo abandono das estrelas, encarando
nossa própria insignificância.
Em um determinado
momento, Cooper se depara com um escape de toda a frustração que ele carrega. Um
drone perdido sobrevoa acima dele, o compelindo a imediatamente parar tudo que
está fazendo e se lançar em uma perseguição desenfreada.
E essa cena!
Sei que ela é bem piegas, mas eu a acho maravilhosa! O carro cortando pela
plantação, o drone distante, a música tocando, o brilho nos olhos de Cooper...
um momento em que ele se esqueceu que é um fazendeiro, esqueceu das tempestades
de poeira e da situação das lavouras, seguindo apenas seu impulso de liberdade.
Experimentamos
isso todas as vezes, no ligar de um vídeo game, no abrir de um livro ou no
início de um filme. Fugimos de nossa realidade para embarcar em uma aventura
reluzente, esquecendo de nossos problemas, nossas mágoas e as correntes que nos
prendem. Mesmo que por breves momentos, conseguimos ser verdadeiramente livres!
É claro que só pra depois voltarmos para a realidade da qual não podemos fugir, hehehe!
Mas então algo
acontece e tudo muda na vida de Cooper. Surge uma oportunidade, um chamado para
uma missão. O “algo a mais” que ele tanto esperava. Sem pensar duas vezes, Cooper se lança de
cabeça nessa chance, não para salvar a humanidade, mas para salvar a própria
alma de seus próprios demônios.
Isso tende a
acontecer em nossas vidas também, não concorda? Uma oportunidade que
aparentemente é aquilo que estávamos esperando. Prontamente esticamos nossos
braços e agarramos essa chance de mudar. Essa chance de triunfar.
Mas nem sempre
as coisas vão bem. Nem sempre nossos planos dão certo. E para Cooper, isso é
esmagador.
Deixando sua
filha para trás (o filho não parece impactar muito ele, hehe!), com a promessa
de que da próxima vez que eles se encontrassem, ambos teriam a mesma idade. A
missão era cercada de incertezas, mas mesmo assim ele decidiu partir. Sua filha
lhe implorou, mas mesmo assim ele foi.
Uma das minhas
trilhas favoritas é Mountains. Ela começa a tocar no exato momento em que a
tripulação entra na atmosfera do primeiro planeta alvo da expedição. Ela começa
quase que imperceptível, apenas um lento tic tac. Mas cada som desse contator
impiedoso equivale a um ano que se passava na Terra.
O primeiro
planeta que a expedição encontra ficava
muito próximo ao buraco negro, por isso o tempo lá funcionava de forma
diferente. A música começa a acelerar, enquanto Cooper percebe que alguma coisa
está errada. A trilha explode quando percebemos que a gigantesca onde vem em
direção da nave. Um gigantesco imprevisto, que os atinge com força e os mantém
naquele planeta mais tempo de que planejavam.
Ao conseguir
finalmente sair de sua atmosfera, Cooper se dá conta da terrível realidade.
Mais de vinte anos se passaram na Terra. Sua filha cresceu, se tornou adulta.
Seu filho casou-se, teve filhos. Toda a vida que supostamente seria a dele, se
perdeu e nada lhe restava a não ser chorar.
O preço pago
foi absurdamente caro. O tempo passou e nada poderia ser feito a respeito.
Novamente o
filme ressoa comigo. Afinal, não somos assim? Só nos damos conta do valor
daquilo que temos quando a perdemos. Quantos arrependimentos você coleciona?
Quantas vezes você não sentiu desejo de voltar atrás, tomar aquela decisão
diferente... quantos amigos não ficam pelo nosso caminho?
Sou como
Cooper, hoje sinto saudades de muita coisa que tive anos atrás, que na época
julguei não me serem suficientes. Hoje, só restam as mensagens acumuladas e o
tempo que passou de forma inexorável.
Em busca da tal
mudança, muitas vezes os pequenos detalhes nos passam despercebidos e quando
nos damos conta, os anos já se acumulam atrás de nós. Naquele momento, Cooper
já não quer mais salvar a humanidade, nem servir para um propósito maior. Ele
só quer voltar para casa, para sua filha.
E quanto mais
ele segue na missão, mais as coisas dão errado e mais ainda a situação se torna
irreversível. As coisas dão tão erradas que em um momento parece que não será
possível mais atingir coisa alguma, nem salvar a espécie, nem voltar para a
Terra.
O arco do
segundo planeta, onde se encontra o doutor Mann, vivido por Matt Damon é o
momento mais baixo de toda a missão, o momento de maior desesperança de todo o
filme.
Doutor
Mann havia sido, juntamente com outros astronautas, enviados em uma missão
suicida, para explorar o espaço através de um buraco negro, em busca de um
planeta habitável. Heroicamente ele se lançou nessa missão e desembarcou em um
planeta estéril.
Ali,
ele sabia que nenhuma expedição viria em seu encontro. Seu destino estava
definido, morreria ali, naquele planeta distante, esquecido pelo tempo, em
completo abandono. A solidão e o desespero o enlouquecem a ponto de mandar
dados falsos para a Terra, na esperança de trazer uma expedição em seu resgate.
Assim
como Cooper, Mann tomou uma decisão que lhe cobrou um preço caro demais para
suportar e mesmo que suas ações condenassem toda a raça humana, se isso
significasse sua sobrevivência, ele estava disposto a fazer.
Ele
se justifica de que seu instinto de sobrevivência o faz agir, enquanto seu
próprio remorso o esmaga e o envergonha. Mas mesmo assim, ele sabota a missão
toda, praticamente ferra o rolê todo, tentando desesperadamente se apossar da
nave e voltar para casa. Mesmo que essa casa esteja condenada.
Desesperado,
talvez até mais que o Cooper, ele rouba uma das naves que a tripulação
utilizava para adentrar na atmosfera dos planetas, partindo para tomar a “nave
mãe”, que é a única forma de se fazer uma viagem longa pelo espaço.
Mas ao tentar acoplar, Mann só consegue destruir ambas as naves. A explosão destrói por completo a nave pequena em que ele estava e arremessa a “nave mãe” em direção ao planeta. A nave vai girando para piorar mais ainda.
Aquela nave não suportaria a
entrada na atmosfera. Cooper precisava encontrar uma maneira de para-la e
precisava fazer isso rápido, pois o tempo era extremamente curto.
Nesse
momento, vem a minha trilha favorita: No Time For Caution. Cooper vê a terrível
situação, percebe o que ele tem que fazer, algo que parece impossível, acoplar
com a nave girando freneticamente. Nesse momento, qualquer outro teria falhado.
Aquele era o momento para o qual ele estava destinado, uma situação que somente
ele poderia resolver.
Aquele
era o momento pelo qual ele estava esperando!
Um
dia eu espero escrever uma cena tão grandiosa quanto essa! Esse é o momento do
filme que nos diz que, apesar de tudo dar errado, apesar da situação estar mais
que grave, não desista! Não se entregue!
Afinal, isso é tudo que nos resta. Lutar, cada dia mais, continuar lutando, até que a vida abandone nossos corações. Toda a trilha me passa essa sensação. De que o universo é grandioso e perto dele, não somos nada. Que as coisas serão assustadoras e em muitos momentos, tudo irá dar errado. Mas que em algum momento, conseguiremos passar pela onda gigante, conseguiremos nos fazer valer de nosso propósito, mas nunca sem pagar um preço.
Nestes dias difíceis que vivemos, essa é a mensagem mais valorosa que podemos receber. A tempestade já cai sobre nós e parece piorar a cada dia. O desespero nos domina em alguns momentos, assim como tomou conta de Cooper em algumas partes do filme.
Mas
só nos resta resistir, lutar até o último instante que isso nos for possível.
Ao fim, chegaremos não exatamente aonde pensávamos que iriamos chegar, afinal,
a ultima coisa que Cooper queria era encontrar sua filha já idosa. Mas de alguma
forma ele encontrou o lugar ao qual ele pertencia agora. De uma forma
totalmente diferente da qual ele imaginava, ele cumpriu sua jornada, o “algo a
mais” que ele tanto buscava.
Se
cuidem, meus caros, e até a próxima!