terça-feira, 31 de outubro de 2017

O guardião

 Faz tempo que não apareço por aqui, ando muito ocupado assistindo Stranger Things... trago hoje, em meu modesto retorno, um conto que escrevi já faz alguns meses para um concurso, e como infelizmente o conto não figura entre os premiados eu detenho os direitos sobre ele, e quero postá-lo!
 As inspirações para esse conto me vieram lendo Vagabond, embora a história não se pareça quase em nada com o arco que estava lendo... enfim, espero que sintam a mesma emoção que senti enquanto escrevia esse pedaço de história! Se preparem pois é um conto bem grandinho!





Sou um guardião antigo, tão velho quanto o mundo, minha origem está nos primeiros dias, os dias de glória, quando os deuses andavam entre os mortais. E pelos deuses fui escolhido como o melhor de minha raça, o guerreiro mais valoroso, selecionado para o mais importante dos trabalhos.
No coração da floresta de Lëngann a mais altiva e poderosa árvore se ergue. Mãe de todas as florestas, suas folhas são douradas, sua madeira é prata reluzente, suas raízes perfuram fundo a terra até atingirem o coração do mundo e seus galhos se elevam até as nuvens nas alturas. A grandiosa Árvore das Eras, ou como os elfos a chamam, Leidrain. 
Os frutos dessa árvore são joias preciosas, cobiçadas por todos os povos. Tais frutos, chamados de Drui’n, concedem cura e grande poder a quem deles se alimentar. Os deuses me deram como tarefa proteger tais frutos e não permitir que nenhum ser que não fosse digno pudesse sequer tocar tais frutos.
A mim foi concedida a honra de me alimentar dos Drui’ns, e somente deles tiro meu sustento. Desde os primórdios a Leidrain me dá sua energia e minha essência foi meticulosamente alterada pela glória destes frutos. Não sou mais humano, ou elfo, ou anão. Sou apenas o guardião da antiga árvore, que nunca irá abandonar seu posto.
Já vi com estes meus olhos cansados muitas eras passarem, deuses novos surgirem, reis se elevarem e caírem, povos irem e virem, sem nunca abandonar meu lugar neste mundo. Já tive incontáveis nomes, entre eles Hoi’n Dëan, aquele que mata; Azzo Sarif, guardião invencível, Ladrak Enem, demônio azul. Todos os povos se dirigem a mim com respeito e temor, e meu poder cresce à medida que as Drui’ns alimentam meu corpo.
Incontáveis inimigos tentaram roubar os frutos, mas a malícia e a ganância em seus corações os tornavam impuros de simplesmente estarem diante da gloriosa árvore. E de forma incansável os abati, como moscas. A impiedade faz parte de meu trabalho e revelei aos meus adversários meu lado mais obscuro. Com o passar dos anos, passei a assumir uma aparência monstruosa, assustadora, para que os mais covardes desistissem de suas ambições, e me poupassem de manchar este santo lugar com sangue impuro.
Alguns de meus inimigos se mostravam mais fortes, outros eram patéticos e foram poucas as vezes que entreguei um fruto. Mas sim, houveram ocasiões em que um guerreiro digno cruzou espadas comigo, poderoso em seu coração, firme em sua determinação, cujos propósitos julguei serem justos.
Mas com o passar das eras, os dignos se tornam mais escassos e a escória se tornou mais numerosa. Naquela tarde, o tempo estava se fechando, uma chuva forte vinha do norte. As folhas iluminavam tudo abaixo da Leidrain, uma luz dourada e opulenta, agradável de se olhar.
Senti meus inimigos vindo ao longe, o cheiro de sangue em suas espadas me causando repulsa, enquanto as ambições em seus corações se elevavam como uma música cantada por um bardo embriagado. Me empoleirei em um galho mais baixo, uma figura sombria e assustadora, afim de causar uma terrível primeira impressão.
Pude notar que um elfo os guiava. Senti a magia que dele emanava e isso me confundiu. Que negócios haveriam de ter elfos com homens em dias como aqueles? Mas nada me restava além de esperar.
Quando eles finalmente chegaram a clareira, o horror tomou conta de seus corações assim que puseram seus olhos sobre mim. Naquela forma, minha pele era negra como piche, minhas pernas e braços eram muito finos e compridos, me dando uma aparência grotesca. Meu tronco era redondo e cheio de protuberâncias, a cabeça era grande como a de um sapo, achatada e deformada, com uma grande bocarra cheia de dentes e olhos estreitos e sinistros. A foice que usava como arma, um toque final de mau agouro.
Pude escutar o elfo sussurrando “Nichiöi Anrak”, mais um dos diversos nomes que seu povo me dera. Observei o grupo de homens com atenção. Não pareciam grande coisa. Um deles estava ferido no ombro, uma flecha envenenada das crianças dos pântanos provavelmente. Estava sendo carregado pelo maior da comitiva, um homem grande e corpulento, com queixo quadrado e nariz quebrado. Trazia uma pesada espada de duas mãos presa à cintura.
Ao seu lado, havia um homem loiro com cara de raposa, trazia uma aljava com apenas algumas flechas em suas costas, parecia esgotado e com medo da morte. Havia também um mais velho, com barba e cabelos grisalhos, o corpo meio rotundo, mas olhos atentos e cheios de sabedoria e experiência. O último, um jovem cheio de determinação, mas também repleto de desesperança, esgotado pela longa jornada, tinha boa aparência e cabelos pretos, bagunçado e sujos. Um príncipe, provavelmente.
Seus corações eram livros abertos diante de mim. O pobre rapaz com o ferimento a flecha chamava-se Ralphan, era amigo de infância do príncipe. Nunca fora grandioso em coisa alguma e sempre vivera na sombra do talento de seu amigo. Era apaixonado por Naila, a mais bela da corte, mas ela é claro, só tinha olhos para o príncipe. Havia prometido a si mesmo que ao voltar daquela jornada se declararia a ela, mesmo que só conseguisse um não.
A flecha o atingira a três dias, e desde então sua vida se tornou um tormento, nada que comia parava em seu estômago e estava sempre enjoado. Sentia-se cada dia mais fraco, e sua esperança estava depositada inteiramente nos lendários frutos da árvore. Trazia consigo uma besta, uma arma feita cuidadosamente por um excelente armeiro, cheia de entalhes em ouro e prata, mas Ralphan nem sequer fora capaz de usá-la. Pobre tolo, morreria ali mesmo, o veneno cultivado naqueles pântanos era algo cruel e fatal.
Com minha voz que mais se parecia um rugido gutural, ordenei-os que saíssem, mas ao invés disso se aprontaram para a batalha. Seus corações estremeceram, mas mesmo assim a coragem não os abandonou. 
Desci de meu poleiro e esperei pela investida de meus inimigos. O elfo, como imaginei, seria apenas o guia e se afastou dos demais. O maior deles investiu, segurando sua pesada espada com as duas mãos. O aço relampejou e desceu veloz em um golpe que poderia me partir em dois.
Me movi para o lado e o pesado golpe impactou contra o chão, levantando folhas e terra com violência. Levantei minha enorme foice e o ataquei, obrigando-o a se esquivar de forma desajeitada. Ataquei-o novamente e dessa vez o cavaleiro quase não foi capaz de evitar o golpe. Quando estava prestes a atacar uma terceira vez, uma flecha cravou em meu peito. O cavaleiro girou seu corpo e colocou toda sua força em um corte horizontal, mas saltei além de seu alcance. Ainda em pleno ar, girei e ataquei com a foice, que se chocou contra a placa peitoral e arremessou o cavaleiro longe.
Mal atingi o chão e outra flecha veio zunindo pelo ar, porém desta tive tempo de me esquivar. Mas o movimento me deixou totalmente desarmado, abrindo uma enorme brecha para o mais velho, que surgiu veloz e certeiro, com um movimento elegante fez o aço de sua espada beijar meu braço esquerdo, decepando-o acima do cotovelo.
Sangue escuro encheu o ar.  Desferi um chute no peito do velho, jogando-o para longe com violência e logo outra flecha precisou ser evitada. O príncipe então surgiu em meu campo de visão, me atacando. Bloqueei sua espada com o cabo de minha arma e desferi um golpe em arco que por pouco não decapitou o jovem.
Os pesados passos do cavaleiro corpulento voltando ao combate me alertaram. Ele vinha a passos largos, brandindo sua espada acima de sua cabeça. Atacou-me pelas costas, mas atingiu apenas o chão, minhas longas pernas me permitiram saltar alto, acima de sua cabeça. Desferi um golpe veloz, a lâmina descrevendo um amplo arco no ar e se cravando diretamente na junta da armadura do cavaleiro, ferindo seu ombro direito.
Seu sangue quente fumegou na foice ainda encravada em seu corpo. Com um forte puxão libertei minha arma e derrubei-o pesadamente contra o chão. Seu nome era Endrio, filho do general das tropas de Vallenin, o reino de onde o grupo estava vindo. Tendo sido treinado desde criança, era um dos espadachins mais fortes do reino, sendo um grande amigo do jovem príncipe que ali se encontrava.
Tudo o que buscava era a força necessária para continuar o legado de sua família, pois seu pai era um gigantesco senhor da guerra e imensas expectativas eram nutridas a seu respeito. Aquela jornada era uma boa forma de começar a construir sua reputação e para ajudar seu amigo aceitaria morrer.
Ia arrancar sua cabeça, mas várias flechas me impediram, me obrigando a recuar. Fui atacado pelo velho e pelo príncipe. Os dois eram velozes e não fui capaz de defender todos os golpes. Senti uma das espadas sendo enterradas em minha barriga, e outra rasgando meu peito. Antes que pudesse saltar, uma flecha cravou em minha testa.
Meu corpo desabou e o êxito tomou o coração do grupo. Exultante, o príncipe ergueu sua espada e soltou um grito de desespero e alegria. Endrio por sua vez caminhou até meu corpo inerte e nele cravou sua espada, como se quisesse se certificar de minha morte.
Tolos. As Drui’ns me tornaram algo próximo a um deus e apenas um corpo não resumiria minha existência. Pensei em algo bem criativo e macabro para minha próxima forma. Das entranhas do corpo morto, comecei a sair, destroçando a forma antiga. Uma larva gigante, com o corpo anelídeo e comprido, as patas eram grandes e arqueadas, afiadas como lâminas e a cabeça era pequena, com uma boca estranha e olhos vermelhos.
Saltei sobre Endrio, que mal teve tempo de reagir. Minhas patas atravessaram a armadura como se fossem papel e o envolvi em um abraço sangrento. E mordi seu rosto. O cavaleiro gritava, enquanto tentava se debater inutilmente. Senti flechas perfurarem meu corpo, mas não o soltei.
Enquanto devorava seu rosto, notei que a amizade que Endrio nutria pelo príncipe era realmente grande. Chegava a ser uma admiração. Ele seguiria aquele jovem até o inferno se fosse preciso.
Soltei o corpo ensanguentado e irrompi veloz atrás do arqueiro que não parava de me acertar. Ironicamente o mesmo ficou sem flechas. Os outros dois não puderam acompanhar minha velocidade e num instante alcancei o indefeso arqueiro. Investi contra ele, mas o maldito saltou sobre mim, enterrando uma adaga em meu olho direito. Desnorteado, tentei parar minha investida, rolando pela grama. Mas ainda estava face a face com ele. Ataquei-o, mas meu alvo era esguio e veloz e evitou minha investida. Tentei atingi-lo com minhas patas, mas falhei nisso também.
Enquanto me concentrava no arqueiro, senti o príncipe cair em minhas costas e cravar sua espada em meu corpo. Arqueei de dor tentando a todo custo derrubar o jovem, que se segurou firme e rasgou ainda mais meu corpo. Me agitei com violência e o nobre foi arremessado pelo chão. Investi, cego pela raiva, saltando contra ele.
Em pleno ar, pude ver o velho tomando a frente do príncipe caído e levantar sua espada. Meu corpo foi de encontro a arma mortífera, que perfurou facilmente minha carne. O velho fez um movimento forte e abriu por completo minha barriga, despejando contra o chão entranhas e sangue fumegante. Novamente meu corpo caiu sem vida.
O mais velho se chamava Soijirou. Era o mestre de armas da família real, responsável por ensiná-los a empunhar uma espada. Acompanhara o jovem príncipe desde os primeiros passos oscilante que dera quando criança e via nele algo além de um discipulo, ou um senhor. Soijirou nunca teve filhos, era um homem infértil para sua própria vergonha. Já havia lutado incontáveis batalhas e suas mãos já estavam cansadas de tantas mortes e de tanto sofrimento.
O velho ficou coberto de sangue e mais uma vez eles acreditaram que haviam vencido. Dei a eles mais alguns momentos de júbilo, antes de lhes mostrar a terrível verdade. Com horror eles assistiram as costas da larva se abrir e um novo inimigo se levantar. Dessa vez, assumi minha verdadeira forma, a que não usava há muitas eras. Bela e serena, talvez a minha aparência mais frágil.
Alto, de pele branca como a neve, orelhas pontudas como as de um elfo, cabelos longos e amarelo pálido, braços fortes e corpo esguio. Sai nu e coberto do sangue azul da antiga forma. Caminhei diante dos olhares horrorizados do grupo e fui até a minha foice, apanhando-a.
Ataquei, um arco amplo e ágil, forte o bastante para matar os três, mas veloz o bastante para apenas atingir o ar. Os três se separaram, fui em direção ao arqueiro, dessa vez um ataque do qual ele não pode se esquivar.
Um corte cruel separou seu corpo em dois. Pobre Leisle. Era um mercenário e trabalhava para o príncipe porque o nobre pagava muito bem. Não tinha grandes sonhos, queria apenas ter ouro o suficiente para encher um baú, encontrar uma mulher para mimar e ser mimado e viver o resto de seus dias sem ter nenhum problema. Nunca acreditou que aquela jornada era uma boa ideia, e agora que a vida lhe escapava tinha certeza absoluta desse fato.
Quando seu corpo caiu, partido ao meio a fúria se acendeu no nobre príncipe, que irrompeu em um ataque cego. Era ágil e habilidoso e tive dificuldades em conter seus ataques. Logo o velho Soijirou se juntou a ele.
Não conseguia fazer nada além de me defender daquela tempestade de aço. Mas quando os dois hesitaram, por um simples segundo, encontrei espaço para um contra-ataque. A foice zuniu descrevendo novamente um arco que iria atingir em cheio o peito do velho, mas sua espada entrou no caminho. A força do golpe o arremessou longe.
Príncipe Kedhran me atacou, feroz e veloz, golpes que quase não pude bloquear. Em meio a tanto golpes girei minha foice e atingi sua coxa, pela junta da armadura. O príncipe gritou de dor e caiu de joelhos. Mas antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, Soijirou irrompeu em uma tempestade de ataques.
Recuei, mas o velho não me deu muito espaço, fazendo chover golpes sobre mim. Ele não poderia permitir que o garoto morresse. Não poderia, de forma alguma. Se pudesse desejar alguma coisa dos deuses, ele desejaria que Kedhran voltasse para casa em segurança, mesmo que isso lhe custasse a vida.
Um golpe errado, talvez por cansaço, talvez por nervosismo, ou quem sabe excesso de confiança o fez cortar apenas o vento, deixando sua guarda totalmente aberta. Em segundos minha lâmina foi de encontro ao pescoço de Soijirou, apenas raspando, mas cortando fatalmente a carne pálida.
O ar se encheu de sangue e o velho caiu. Kedhran mancou desesperado em sua direção. Naquele momento esqueceu-se de mim por completo. Colocou a cabeça do velho em seu colo, enquanto tentava conter o sangramento. Chorava em desespero ao ver que não seria possível.
Soijirou sentia arrependimento. Sua alma já se desprendia de seu corpo, um fino fio de prata que subia até os céus. Sentia-se arrependido, não por estar morrendo, mas por não ter me matado. Sua alma vislumbrou o jovem príncipe uma última vez. Como havia crescido aquele rapaz! Afinal, havia tido um filho. Um bom e honrado filho.
Com os olhos marejados e a coxa ferida, o príncipe pôs toda sua coragem em sua espada, erguendo-a acima de sua cabeça. Seus olhos relampejavam agressividade, preparando-se para terminar com a luta naquele momento. Em um instante, encurtou a distância entre nós e a espada zuni veloz e mortífera. Um golpe heroico, digno das lendas e canções, entretanto facilmente evitável. Esquivei-me para o lado, a espada nada atingiu além do vento e em seguida foi a vez da minha foice dançar.
Veloz como um raio, o aço traspassou sua armadura, com toda minha força posta naquele golpe, cortando facilmente a carne abaixo dela. Um rasgo fatal e em diagonal, começando na base do abdômen e terminando no ombro esquerdo, o sangue jorrou abundante enquanto o príncipe caia contra o chão cheio de folhas.
O rei de Vallenin adoeceu repentinamente, uma terrível enfermidade que o enchera de dores e o aprisionara em sua própria cama. Todos os curandeiros do reino foram convocados, mas nenhum deles obteve sucesso em sequer descobrir que enfermidade era aquela. Foi preciso um mago estrangeiro para que finalmente se descobrisse que se tratava de uma maldição. Uma poderosa maldição.
Existiam poucos poderes neste mundo fortes o bastante para desfazê-la, segundo o mago. Os Drui’ns, frutos da lendária Leidrain, a Árvore das Eras, sem sombra de dúvidas teriam o poder para salvar o rei.
Kedhran nunca se dera bem com seu pai. O rei tinha temperamento forte e gosto por batalhas, enquanto o jovem preferia a leitura e a diplomacia. Muitas foram as ocasiões em que os dois discordaram em brigas ferozes e cheias de insultos. Já não falava com seu pai há quase um ano quando adoeceu.
Agora, só restava a Kedhran o arrependimento. Não odiava seu pai, não de verdade e não suportava a ideia que as coisas entre eles terminariam daquela forma. Aquela jornada nada mais era do que uma tentativa desesperada de ter uma segunda chance, de fazer as coisas certas. Mas agora que até Soijirou caíra, sentia o quão egoísta havia sido. Arrastara-os para a morte, por capricho.
Mas que pelo menos suas mortes não fossem em vão.
Com espanto, vi o príncipe se erguer. O sangue não parava de jorrar e seus olhos pareciam sem vida. Como aquilo era possível? Debilmente ele levantou sua espada, pronto para mais um golpe. E de seu corpo emanou uma grandiosidade que a muito não sentia. Ali diante de mim estava um grande guerreiro, não havia dúvidas.
Sua mente já havia se desfeito em dores, mas enquanto ainda respirasse, lutaria.
Atacou com força e velocidade, um corte vertical que me partiria ao meio se fosse mais veloz. Bloqueei com o cabo de minha foice. E a espada simplesmente atravessou minha defesa, cortando  minha arma como se fosse papel. A surpresa e o espanto tomaram conta de minha mente, e vi lentamente a arma mortal chegando cada vez mais perto.
A espada parou em pleno ar, a centímetros de me atingir. As forças de Kedhran haviam se esgotado antes do seu objetivo final, e espada e cavaleiro tombaram, pondo um final aquele combate. Olhei para seu corpo caído e para minha arma dilacerada, tentando entender que havia acontecido.
 A surpresa me fez baixar a guarda. Nem sequer ouvi a flecha cortando o ar. O moribundo Ralphan usara sua besta pela primeira vez naquela jornada, e tivera uma precisão quase que divina, cravando uma flecha em meu pescoço. Caí agonizando, me engasgando em meu próprio sangue. Estava morrendo novamente. Ralphan soltou sua arma, e desejou ter forças para pelo menos se sentir feliz.
Talvez aquela não fosse a minha verdadeira forma. Não me lembro mais o que fui antes de me tornar o guardião. Não me lembro de meu povo, nem de minha vida antes de me devotar a Leidrain. As folhas caídas no chão começaram a se levantar e a girar em torno de meu corpo, enquanto um fino fio de fumaça subia dele. Tudo se juntou e se misturou, formando um corpo com a forma de um homem.
Caminhei até a árvore e apanhei um fruto. Retirei três sementes, a primeira fiz com que Kedhran engolisse, a segunda foi ao inesperado vencedor. Assustado, Ralphan apanhou a pequena semente e a engoliu, incerto do que isso o faria.
— Você deve melhorar até o final do dia – a minha voz dessa vez era calma e serena – Quanto ao seu amigo, deve levar mais um tempo para se recuperar, mas com descanso e bons cuidados, ficará bem. Os elfos devem ajuda-los. Entregue isso ao seu rei – estendi a ele a terceira semente – Será o suficiente para libertá-lo da maldição.
Os olhos do garoto se encheram de lágrimas. O elfo que os guiara até ali já apanhava o corpo do príncipe, e tomava o caminho para fora da clareira. Reunindo todas as suas forças, Ralphan se levantou, me encarando com orgulho.
— Parabéns Ralphan – senti uma certa diversão ao dizer isso – Sinto lhe dizer que seus companheiros caídos pertencem a Leidrain agora, deve deixa-los para trás. E devem partir agora mesmo!
Com dificuldades, Ralphan foi logo atrás do elfo que carregava seu amigo, e não demorou para que os três deixassem a clareira.
Verdadeiramente eu não havia sido derrotado, facilmente poderia terminar com a vida dos dois em um piscar de olhos. Mas não é a força que torna digno ou merecedor o aventureiro que busca os frutos. É sua determinação. Determinação para continuar a lutar, mesmo à beira da morte. A determinação de Kedhran fora explosiva e me impactara profundamente. Mas a de Ralphan fora a maior, silenciosa e letal.

Olhei para os guerreiros que haviam caído. Daria a eles enterros dignos. E a minha preciosa arma, haveria de reforjá-la mais bela e mais letal, pois o meu trabalho ainda continuaria. Enquanto as eras ainda existirem.




quinta-feira, 25 de maio de 2017

A Grande Guerra Chegou

O coração de muita gente parou ontem com a divulgação do trailer da sétima temporada de Game of Thrones, e não é pra menos, que trailer, senhoras e senhores!



Mas vamos com calma! O que esse trailer nos mostra? Primeiro, é importante que finalmente tenhamos a certeza de que Daenerys finalmente desembarcou em Westeros, não parou em nenhuma outra cidade escravagista pelo caminho... glória a R’hllor! Pelo que vi no trailer, me parece que ela desembarcou em Pedra do Dragão, tem uma cena dela sentada em um trono feito de rocha, o que faz sentido, pois foi por aí que seus ancestrais começaram a tomada dos sete reinos.
Vimos um choque entre imaculado e as forças Lannisters, em um possível ataque ao Rochedo Casterly, e Dothrakis nos campos, uma gigantesca cavalaria derrotando tudo que encontra pelo caminho. Daenerys controla dois exércitos poderosos até demais, imaculados são fortes em cercos e dothrakis são ferozes em campo aberto. E como se não bastasse, tem os dragões!
A cena que fecha o trailer, um dragão voando junto a uma tropa, é a vitória consolidada. Talvez vejamos algo semelhante aos campos de fogo, acontecendo mais uma vez. Mas Cersei está confiante. Teria ela alguma cartada?
Arya chegou no norte, e por lá é aquela treta de sempre: tem algo ainda maior vindo. Será que Daenerys vai nutrir algum rancor contra Starks, afinal eles foram grandes responsáveis pela ruína de sua família.

É tanta treta em menos de dois minutos, impossível não ficar empolgado! A grande guerra chegou minha gente! 

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Carnival of Rust

Não conheço essa banda, Poets of the Fall, sendo essa música a única deles que já escutei. Devo dizer Carnival of Rust me ganhou desde o primeiro momento que vi o clipe. A todo um clima de tristeza carregado no ar, um clima de final, de um mundo que perdeu toda a sua beleza e alegria.

A letra, que também não deixa de ser melancólica, tem seus momentos de grandiosidade, aliado aos belos figurinos do clipe, calam fundo na alma. Gostei muito do clipe, o que parece um circo decadente, com uma marionete toda corrompida, cantando de um jeito bem afetado.




  Já escutei várias vezes e não me enjoo dela...

sexta-feira, 19 de maio de 2017

O Gigante que não despertou

 Um conto curto, estava eu devaneando na cama, ouvindo música, e as palavras foram se amontoando em minha cabeça. Gostei bastante do resultado. Tive boas influências do trecho onde Bárbarvore leva os Hobbits, contando o que Saruman anda fazendo em suas florestas. Enfim, boa leitura!



Sou um gigante, altivo e orgulhoso, dono de um povo sem igual em toda a face do mundo. Meus territórios se estendem desde as terras tropicais, até os frios domínios do sul, um vasto reino que daria inveja a muitos imperadores do mundo antigo.
Minhas terras são verdejantes, e alegres são os rios que correm pelos campos, e a vida salta por toda parte, cheia de formas e cores, coisas que não se encontram em nenhum outro lugar.
Não estou sendo realmente honesto. Essas são lembranças, de dias antigos há muito esquecidos, quando meu povo ainda era primitivo, e quando deuses ainda andavam por aí. Hoje, o mundo mudou, e meu povo também. Não que eu não sinta por eles um amor como o daqueles dias...mas parece que eles não sentem o mesmo.
As grandes florestas estão cada vez menores, árvores antigas das quais eu conhecia pelo nome, e que estiveram comigo desde pequenas, hoje já não são mais encontradas. As belas cores de muitos animais há muito foram esquecidas, enquanto espécies inteiras foram apagadas da face do mundo.
Cinzentos se tornaram meus campos, repletos de cidades dos homens, com seus altos prédios, e seus veículos barulhentos. E amontoados de casas tomaram os montes, de onde a alegria de outrora parece fugir.
Meu povo cresceu e se espalhou, tomou conta de todos os territórios que os entreguei, mas não da forma que esperava. Desleixados, parecem não se importar em cuidar das coisas, parecem que não se importam com a própria casa.
Tenho o poder de me tornar um dos grandes reinos da terra, senão o maior. Meus territórios não são apenas vastos, mas ricos em recursos de toda espécie, algo que reino nenhum possui. Meu povo não é apenas numeroso, mas é diverso em culturas e conhecimento, como uma fusão de quase todos os outros povos do mundo, trazendo consigo um pouquinho do melhor da sabedoria estrangeira, se misturando a nossa própria cultura. Um povo capaz de se tornar especialista em qualquer assunto que seja.
Posso fazer frente aos grandes titãs desse mundo. Mas infelizmente isso não passa de um sonho. Meu povo parece não desejar a grandeza, nem se importar em atingir a melhor forma que possamos ter. Ao invés disso se preocupam unicamente com o agora, abrindo mão de toda possibilidade de esplendor.
Os líderes, que deveriam reger meu povo com sabedoria e honra, não pensam em outra coisa que não seja acumular riquezas para si próprio. Reunindo grandes quantidades de um papel que no futuro pode não valer coisa alguma, confundem o verdadeiro poder com dinheiro.
Eles roubam de si mesmos, enquanto me destroem aos poucos, secam meus rios, acabam com minhas florestas e depredam meus campos, entregando partes de minhas queridas terras a estrangeiros sem escrúpulos. Tudo por punhados de dinheiro.
Eu lhes daria muito mais! Sim, juntos, eu lhes daria a verdadeira glória de sermos os maiores deste mundo, e o mundo seria outro sob nosso reinado! Mas eles não buscam pela glória. Eles não se importam comigo.
E na medida que a ambição destes poucos homens aumenta, o sofrimento de meu belo povo cresce igual. A miséria se espalha, junto com a ignorância e a violência. Meu povo mata a si próprio, iludidos por questões que não tem importância.
O sangue inunda minhas terras, tão forte e tão espesso, que já me sinto embriagado. E quem não sangra, chora lágrimas salgadas que destroem meu coração. Quantas famílias eu já não vi terminarem? Quantas vezes eu já não testemunhei uma criança faminta não ter o que comer? Ou um doente morrer sem ter ninguém que o conforte?
Meu povo sofre, sem nem mesmo imaginar a grandeza que poderíamos atingir. Seus olhos estão cegos, e a triste realidade em que se encontram é tudo o que conhecem. Não pensam em outra opção que não seja seguir em frente, apesar de toda a dor e desesperança que o amanhã traga.
Eu me sinto triste, imensamente triste, ao sonhar com uma realidade diferente, onde toda essa dor não tivesse nem mesmo começado. Sinto culpa por não ter feito nada que impedisse esse terrível destino.
Mas agora é tarde. Meu reino está em ruinas, meu povo está perdido, pois seus líderes já não se importam com mais nada, e todos estão divididos em discussões tolas envolvendo cores, conceitos e ideais que não levarão a lugar algum.
Dizem que meu povo é alegre, mas não se engane. Eu os conheço bem, e sei que o riso é para esconder o choro, e a alegria fingida é para sufocar a tristeza.

Eu sou o gigante que não despertou, e infelizmente, estou morrendo...

quarta-feira, 17 de maio de 2017

O lamento dos três

Havia um segredo, que apenas o grande mestre tinha conhecimento. Do mundo dos mortos nada podia ser feito a respeito. Nada que pudesse ajudar Athena na guerra que viria. Por isso, os cavaleiros que antes caíram, aceitaram uma vez mais se levantar, mas dessa vez não como cavaleiros, mas como ratos, traidores sem honra, com armaduras negras cobertas pelo desprezo.



Mas no início da batalha, nada disso ainda veio à tona. Quando Mu decide barrar a mais recente invasão ao santuário, ele nem sequer imagina as proporções do que está acontecendo.
Tudo que ele sabe é que aqueles três estão vivos novamente, submissos a Hades, inimigos terríveis de se enfrentar, mas diante dos quais ele não irá recuar de forma alguma. Mas no meio da batalha, por um breve instante, ele vislumbra o que realmente está acontecendo.
Shura, que sempre fora o mais fiel dos cavaleiros, Camus, um dos mais valorosos no Santuário, e Saga, poderoso, orgulhoso, e que carrega consigo a dor de já ter se voltado contra sua deusa. Os três inimigos trajados de sapuris que mais são uma zombaria de Hades as sagradas armaduras douradas, estão chorando.
Suas almas choram sangue.


Eles sentem a dor de se voltarem contra seus amigos, e não poderem dizer uma só palavra. A dor de serem odiados por eles, e nem ao menos se explicarem. Abriram mão da dignidade, e se humilharam, para dar a Athena, uma chance de vencer o mal.
Um cavaleiro de Athena dilacera sua alma, se preciso for. Não importa o quão terrível seja o sacrifício, eles o farão. A determinação de um cavaleiro não pode ser detida, nem mesmo pela morte.

O lamento dos três é o nome perfeito para o segundo episódio da saga de Hades. O sacrifício que os três estavam para realizar estava apenas começando. 

sábado, 13 de maio de 2017

Torneio de Campeões

Comecei uma jornada pelas grandes sagas da Marvel, peguei uma lista lá no Legião dos Heróis e a usei como referência. A lista, você pode conferir aqui. Comecei então, por Torneio de Campeões!
O arco, dividido em três partes, conta sobre uma competição, organizada por uma entidade cósmica chamada Grande Mestre e a própria Morte. O objetivo dessa competição é simples, o destino do Colecionador.



Em histórias anteriores, o Colecionador foi morto. Seu irmão, o Grande Mestre, quer trazê-lo de volta. Os dois irão competir, se o Grande Mestre vencer, a Morte terá que revivê-lo.
Para a competição, as duas entidades paralisam a Terra, deixando-a congelada fora do tempo, e levam todos, e veja bem, eu disse TODOS, os heróis de nosso mundo para uma arena galáctica onde o torneio irá acontecer.
Nessa saga a gente se dá conta que existem muitos heróis. Mas muito mesmo. Heróis de todos os países são convocados para a disputa, e enchem a arena. Entretanto, não serão todos que irão competir, cada entidade escolhe apenas 12 para representa-lo.


Uma relíquia chamada Globo Dourado da vida é dividida em quatro partes, e escondida na Terra. Os doze são divididos em quatro grupos, e devem então batalhar pelas partes da relíquia. Ao fim, os representantes que obtiverem mais partes da relíquia vencerão a competição.
As lutas, apesar de serem simples, trazem embates bem curiosos, trazendo à tona conflitos milenares entre povos diferentes. Por mais que algumas figurinhas carimbadas estejam presentes, o número de personagens dos quais nunca havia sequer ouvido falar é bem grande.
As lutas focam bem nas diferentes habilidades que cada herói tem, e como cada um tem uma certa vantagem contra determinado poder. Não espere, é claro, batalhas épicas e colossais, pois mesmo que os heróis estejam em lados opostos, é apenas uma competição, isso não os torna inimigos mortais.



Por ser uma saga relativamente curta, é uma leitura muito interessante, não só pelos confrontos curiosos que acontecem, mas também para conhecer uma penca de personagens. Fiquei surpreso que o confronto não tenha se resumido a Capitão América Vs Homem de ferro... os dois estavam em times opostos, mas nem sequer se encontraram durante a competição.


sexta-feira, 12 de maio de 2017

Roda D'verso

 O grande Makenze, amigo de longa data que já foi citado várias vezes por aqui, começou um canal no youtube. A proposta é espalhar uma parte de nossa cultura, tão ignorada por nós, trazendo versos de poetas lendários acompanhados de um melodioso violão:



    Apoie esse projeto, deixe uma curtida e se inscreva no canal. Em breve aquele violão ali vai carregar uma logo minha, ô se vai!


quarta-feira, 10 de maio de 2017

A segunda temporada de Shingeki até agora

Já estamos aí com seis episódios lançados da nova temporada de Shingeki, e não tem como não falar sobre isso. Se você ainda não assistiu todos os seis, cai fora daqui por que vai ter spoilers, e acredite em mim, você não vai querer descobrir isso lendo meu post e sim assistindo.


Desde que a temporada recomeçou, uma certa brutalidade está no ar, carregada de sangue e mistério. Desde o primeiro episódio, com o surgimento do titã bestial e todo o mistério que ele carrega. O maldito fala, é muito mais inteligente que todos os titãs comuns, e parece saber algo a respeito de todo o mistério envolvendo esse mundo.

“ Vocês atacam direto na nuca, sabem onde estamos. ” Ele diz em uma das cenas. “Aparelho interessante esse”, sobre o equipamento usado para combater os gigantes. E como se não bastasse, junto com sua aparição, titãs começaram a surgir dentro da muralha, sem nenhuma explicação.
Não existe buraco na muralha, e tudo nos leva a crer é que pessoas foram transformadas nos terríveis gigantes.
A chocante revelação de que no interior da muralha também tem titã, um segredo que vem sendo mantido pela igreja, sabe-se lá por quanto tempo. Sempre houve um desejo das tropas de exploração de fortificar as muralhas mais externas, mas isso sempre foi proibido pela igreja, que idolatra as três muralhas.
Isso é genial. Qual a forma de impedir que as muralhas sejam sequer tocadas? Cultuando-as! A religião era a única forma que tornaria criminosos qualquer tentativa de alteração nos grandes muros, mantendo o segredo no mais absoluto sigilo... até agora.
E junto com toda essa revelação, veio o fato de que a pequenina Krista é na verdade uma filha bastarda da família real, vivendo por ali escondida. Seu sangue é da alta linhagem, seu nome verdadeiro é Historia, e ela pode conhecer os segredos deste mundo.
E justo ela está no olho do furacão.

Presos em uma torre, estão ela, Connie, Ymir, Reiner e Bertolt. Cercados por titãs. Mortes terríveis e cruéis nos mostram o quão frágil é a vida nesse anime, e por mais habilidoso e forte que o personagem venha a ser, heroísmo nem sempre acontece, e o que se desenrola não são mortes honradas, mas brutais e terríveis.
Não é um mundo para o qual os fãs gostariam de ir, sem dúvida. No meio de tanto anime colorido, onde tudo dá certo, onde todos terminam felizes, é bom ver um que tenha esse tom um pouco mais pesado, mais sujo, mais cruel. Nos dá uma sensação de insegurança. Shingeki é um anime onde tudo pode acontecer.
Tudo, como por exemplo, Ymir, uma personagem que eu provavelmente nem havia prestado atenção antes, pula do topo da torre, e se transforma em uma titã! É de explodir os miolos! Ymir vira uma titã mais baixinha, porém mais ágil, e começa a virar a luta, que já parecia perdida.


Ymir tem alguma relação com Reiner e Bertolt, algo ainda não explicado.  Mais mistérios, mas nem dá pra pensar muito nisso, porque o número de titãs ali é muito alto, e Ymir acaba sendo subjugada, e devorada!
Mais brutalidade, mais reviravolta. E quando tudo parece perdido, Mikasa, Levi e uma galera chegam para salvar o dia. Eles limpam a área, e tudo se acalma. Ymir ainda não morreu, eu acho, Estado crítico, mas ainda viva.
E, quando tudo parecia estar bem, Reiner se desespera, querendo logo pôr fim a sua jornada, querendo logo voltar para casa, e revela que ele e Bertolt são os grandiosos Colossal e Encouraçado, e querem que Eren vá com eles.
Já havia uma suspeita por parte deles. Armin é muito sagaz, e notou coisas que nem mesmo nós que assistíamos notamos. As pistas estavam sempre ali, diante de nossos olhos. Mikasa os ataca, e não os deixa com outra alternativa que não a de assumir suas majestosas formas. E é aí que o coração para.















Uma das cenas mais majestosas de todos os animes que já vi, trilha sonora épica, animação com muita qualidade, uma carga dramática pesada, Reiner e Bertolt assumem suas formas de titãs, crescendo na muralha, jogando tudo pelos ares, e capturando Eren e Ymir.
Os dois são inimigos. Mas não são a figura típica de vilões que a maioria das histórias nos mostra. Eles eram bons amigos, já salvaram a galera várias vezes. Eles têm algum motivo para estarem fazendo isso, é como anda dizendo o trailer do Injustice 2: cada vilão é o herói de sua própria história.
Eren em lágrimas também vira titã, mais uma vez sendo forçado a se levantar contra um amigo, mais uma vez se sentindo traído. O que virá agora será uma luta de estremecer a realidade, e mal posso esperar para por meus olhos nisso!

Shingeki é, sem sombra de dúvidas, um dos animes mais empolgantes e com uma das histórias mais complexas que já vi. Por mais animes assim!

sábado, 6 de maio de 2017

O Viramundos

 Escrevi um conto, e o processo foi bem divertido. Mhero é um jovem que gosta de explorar terras novas, em busca de glória e riquezas. Mas seu atual estado de pobreza o obriga a aceitar um trabalho enfadonho na loja de antiguidades de seu tio, apenas por algumas moedas.
Em meio a tantas relíquias, Mhero irá encontrar algo além de sua compreensão.

 Boa leitura! Creditos ao Kaito, pela capa!




Mhero bocejou, entediado, enquanto encarava, do balcão, a loja de antiguidades completamente vazia. Nenhum freguês havia aparecido nas ultimas três horas, e o jovem já considerava que seria seguro tirar uma soneca ali mesmo. Mas imaginou a carranca de seu tio, caso chegasse de repente e o flagrasse dormindo em serviço, e concluiu que seria melhor ficar muito bem acordado.
A loja, chamada Nievro, ficava bem no centro da cidade de Allerio, numa das ruas mais movimentadas que conduziam a praça central. Estava lá desde sempre, e era referência quando se tratava de artigos raros, ou relíquias mágicas, sendo muito frequentada por magos e elfos, e as vezes alguns aventureiros procurando mapas ou chaves antigas.
Mas nesse dia, nenhum deles resolvera aparecer, para alegria e tédio de Mhero, que ficara responsável pela loja a pedido de seu tio. O rígido Andheo Nievro, dono do estabelecimento, precisara resolver algum assunto urgente do outro lado da cidade, e não tivera mais ninguém a quem recorrer.
Por mais enfadonho que o serviço fosse, Mhero aceitara de bom grado receber algumas moedas apenas por ficar dentro da loja, sem fazer nada. Já estava planejando em qual taverna gastaria seu pagamento, e daria um jeito de multiplica-lo nos dados que os bêbados estavam sempre jogando.
“ Não mexa em nada! ” Foi a ordem mais repetida por seu tio, como se Mhero ainda fosse uma criança. Mexer em que? Na loja só haviam coisas antigas e tediosas, nada que valesse o esforço. Se ao menos uma espada mágica estivesse por ali dando sopa..., mas não, seu tio era um homem assustador quando estava zangado, e a última coisa que Mhero iria querer era irritá-lo.
Sendo assim, tornou a se sentar na desconfortável cadeira que ficava atrás do balcão. Ao menos a hora do almoço estava chegando. Sob a permissão de seu tio, poderia fechar a loja por uma hora para comer, e planejava fazer isso em breve. O estômago roncou, em aprovação.
A porta se abriu, fazendo a sinetinha tocar suavemente. Mhero olhou em direção ao surpreendente cliente, como se olhasse para uma miragem. Era um homem alto, esguio, de cabelos longos e dourados, pele pálida e orelhas pontudas. Um elfo, que sorriu gentilmente ao ver a cara de espanto do jovem no balcão.
— Nievro não está? – Perguntou o elfo, com sua voz melodiosa
— Ele teve problemas para resolver, deve retornar mais tarde.
— Entendo – O elfo olhou diretamente para Mhero, causando um certo desconforto ao jovem – Você é o sobrinho dele, Mhero?
— S-sou...
— Se não for incomodo, Mhero, acredito que seu tio deixou um pacote separado, destinado a mim. Poderia olhar nos fundos? Deve estar identificado com uma runa, não é algo grande.
Mhero concordou, e foi até os fundos da loja verificar. Na parte de trás da loja, o depósito, havia muita coisa, mas totalmente organizado. Seu tio não suportava bagunça de forma alguma. Haviam caixas e mais caixas, seladas ou abertas, livros de todos os tamanhos, pinturas, estátuas, vasos... e uma pequena mesa, num canto perto da porta. Nessa mesa, uma pequena vasilha, com um bilhete. A caligrafia fina de seu tio era visível, e estava escrito “Mhero”.
— Almoço! – O jovem vibrou, ao abrir a vasilha e ver a torta que o esperava
Continuou procurando, quando um pequeno baú chamou sua atenção. Era todo preto, lustroso, e tinha detalhes em dourado. Mas sem nenhuma runa, então esse não era o pacote. Depois de vasculhar mais um pouco, achou em uma das prateleiras, uma caixa amarelada, com uma runa antiga, que se a memória de Mhero não estivesse equivocada, queria dizer “Kënda’ro”, um nome próprio.
Apanhou o pacote, e voltou até o balcão da loja, coçando a barbicha que crescia em seu queixo, com uma expressão de curiosidade:
— Kënda’ro? – Perguntou, mostrando a runa ao elfo – é seu nome?
— Sabe ler runas? – O elfo indagou, surpreso
— Um pouco, as vezes Andheo me ensina. Pode ser útil em minhas viagens, ele sempre diz.
— Quem diria. Seu tio está certo, ler runas pode ser muito útil ao explorar florestas. Basta ficar atento. Sim, meu nome é Kënda’ro.
— Bom, então isso é seu – Mhero entregou ao elfo o pacote
— O pagamento já foi acertado com seu tio. Diga a ele que agradeci imensamente, e que voltarei em três dias, como o combinado.
— Certo, eu direi.
O elfo agradeceu, e foi embora, levando seu pacote misterioso. O que havia nele, e por que o elfo retornaria em três dias, Mhero não fazia e nem faria ideia. Seu tio raramente falava sobre seus clientes, ainda mais com ele, que constantemente ficava bêbado pelas tavernas, falando asneiras.
De qualquer forma, estava cansado de tanto trabalhar. Era hora de almoçar. Trancou a porta, fixando na vitrine a placa de “fechado para almoço, retorno em uma hora”, e foi até os fundos, aproveitar seu merecido descanso.
Apanhou sua torta, um pouco de pão e cerveja, encontrou um canto confortável es e sentou em meio as mercadorias.  Apesar de cheio, o estoque era bem espaçoso. Ficou olhando todas aquelas coisas antigas enquanto comia.
O baú novamente lhe chamou a atenção. Era bonito, parecia bem polido, e os detalhes em dourado eram muito bem feitos. Decidiu que depois de comer, daria uma boa olhada nele. E foi o que fez.
Não era pesado. Estava tão lustroso que Mhero conseguia ver o próprio reflexo nele. A tranca era dourada. Será que tinha alguma coisa dentro? Estava, obviamente, trancado, mas nada que pudesse impedir alguém tão talentoso como Mhero, que abria trancas complexas numa velocidade absurda.
Apanhou sua pequena ferramenta de violar trancas, que sempre levava consigo, afinal, nunca saberia onde precisaria dela, e sem dificuldades, destrancou o cadeado, que se abriu com um clique alto.
Uma luz veio da fresta do baú, e lentamente Mhero o abriu. Uma pequena bolinha rosada repousava no seu interior. Ficou encarando-a, tentando entender do que se tratava. A bolinha começo a se mexer devagar, e logo algo que parecia uma cabeça se projetou para cima. A bolinha era um pequeno animalzinho, parecia um cachorrinho em miniatura.
Tinha uma pelagem que parecia sedosa, e mudava de coloração conforme se olhava para ela, variando em tons de rosa, roxo mais escuro e a um azul mais claro. Suas patinhas, apesar de pequenas, eram bem robustas, e uma fina calda começava a se agitar.
A criaturinha abriu dois olhinhos sonolentos, e Mhero sentiu-se hipnotizado pela graciosidade da coisinha.  Notou que o pequenino tinha um bico ao invés de um focinho, e pequenas asinhas lhe saindo pelas costas.
Passou o dedo suavemente pela cabeça do bichinho, que pareceu ronronar em satisfação. Mhero nunca vira animalzinho igual em nenhum lugar do mundo. Intensificou os carinhos, e o bichinho pareceu gostar, enquanto se espreguiçava para afastar o sono.
O bichinho irrompeu em um pulo, saltando para fora do baú. Mhero se assustou, e caiu de costas. A criaturinha pulou sobre ele, e então, uma grande confusão se instaurou no pequeno depósito.
Uns sons profundos e altos, junto de um turbilhão de luz, envolveram Mhero enquanto caía. Quando atingiu o chão, tudo ficou escuro e quieto. Confuso, Mhero foi se levantando, e aos poucos sua visão e audição iam voltando ao normal.
Ouvia uma voz profunda e suave, falando incessantemente palavras em um outro idioma. Sem entender, e ainda sem enxergar direito, o jovem foi se levantando. A voz, que parecia distante, continuou a falar, até que de repente ficou quieto. E então outras vozes começaram a sussurrar ao redor, como se uma multidão estivesse ali.
“ Que diabos? ” Pensou ele, “estão assaltando a loja? ”, mas quando sua visão voltou, as coisas que viu não foram facilmente compreendidas. Não estava na loja. Estava em um grande salão dourado, rodeado por elfos, que o encaravam, tão surpresos e assustados quanto ele próprio.
O salão era imenso, e tinha o teto muito alto, abobadado. Janelas grandes permitiam que a luz entrasse no lugar, acentuando ainda mais a cor dourada. O chão parecia de ouro, mas era feito de madeira, e um cheiro de pinho enchia o ar. Os elfos, todos vestidos belamente, como nobres, se reuniam ao redor de um trono, onde a figura majestosa de um rei se erguia, com uma coroa feita de madeira retorcida e prateada lhe adornando os cabelos amarelos.
Ajoelhado no estrado do trono, com os braços presos as costas, um homem corpulento e sem camisa, com o corpo repleto de runas e desenhos tatuados em tinta negra ou vermelha. Careca e barbudo, o homem tinha um olhar severo. Devia estar sendo julgado pelos elfos, mas agora todas as atenções se voltavam para o recém-chegado.
Os mais próximos começaram a falara coisas em seu próprio idioma, e Mhero confuso apenas dizia que não fazia ideia do que estavam dizendo. O burburinho foi se intensificando, até que o rei se levantou em seu trono, e disse com clareza:
— Quem é você, humano? E é melhor não mentir!
— Eu... me chamo Mhero, majestade – respondeu, inseguro e tentando soar respeitoso – Mhero Nievro, meu senhor.
O nome Nievro produziu algumas reações, e até mesmo o rei parecia conhece-lo.
— O que faz aqui? – Perguntou um dos elfos mais próximos ao rei – como chegou aqui?
— Eu... não sei senhor! Não sei mesmo... estava na loja de meu tio, e de repente...
Mhero ficou em silêncio, sem conseguir entender o que havia acontecido. Os elfos o encaravam com grande desconfiança, mas também nada diziam, e o silêncio cresceu no salão. Então, um dos elfos finalmente falou:
— Quer nos fazer acreditar que você simplesmente surgiu em nosso salão? Neste exato momento, de grande importância para nós?
Mhero percebeu o quão idiota era a ideia, mas não conseguia pensar em mais nada.
— Quer mesmo que acreditemos que você não possui relação alguma com este homem?
O elfo apontou para o homenzarrão acorrentado. Mhero olhou instintivamente para ele, e pode notar no olhar do prisioneiro, um grande desprezo e maldade por todos os presentes. Nunca em sua vida havia visto tal homem, mas quem acreditaria nele? Aos olhos do elfo, tratava-se de uma tentativa fútil de resgate.
— Eu não o conheço, senhor. De verdade, não sei como vim parar aqui.
Os elfos começaram a falar entre si, em seu estranho e melodioso idioma. Por fim, o rei tomou a palavra, e disse com firmeza:
— Existem magias raras que permitiriam que um homem surgisse em lugares distantes, da forma como aconteceu – fez uma pausa e olhou fixamente para Mhero – com todo respeito, este que aqui surgiu não me aparenta ser um grande mago. E não sinto vindo dele magia alguma que possa iludir nossos sentidos, nem mesmo má intenção. Seu nome é Nievro, e creio que devemos a este nome ao menos o benefício da dúvida.
Um burburinho começou a crescer, ao que o rei ergue sua mão, e toda a corte fez silêncio novamente. O rei agora se dirigia diretamente a Mhero:
— Entretanto, é um momento delicado em que você decide surgir, ainda que alegue não ter sido intencional. Com certeza deve haver alguma explicação, mas temo que não dispomos de tempo para investigar a fundo o ocorrido. Contudo, dado este momento delicado em que minha corte se encontra, não poderemos deixa-lo ir, não sem um profundo entendimento do que ocorreu. Deste modo, ficará detido até que tenhamos tempo para julgá-lo.
— Detido? – Mhero se desesperou – mas eu não fiz nada, não podem me prender, eu preciso voltar, eu....
— Até que consigamos determinar seu propósito aqui, para o bem ou para o mal, o manteremos preso. Mas não se preocupe, será bem tratado! Guardas, levem-no!
Dois soldados élficos o apanharam pelos braços, e o conduziram pelo lado esquerdo do salão, até uma porta que se abria na parede dourada. Pode ouvir a corte explodir em comentários, e a voz do rei elfo se elevando sobre todas as outras.
Foi sendo conduzido por um extenso corredor, e após entrarem em uma porta a direita, desceram uma longa escadaria, só para então entrarem em um corredor. Era bem iluminado, as paredes feitas de pedra branca, e o chão de madeira escura. Esse corredor era repleto de portas de ambos os lados, e uma delas foi aberta, e Mhero foi conduzido para o interior de uma pequena cela.
O elfo disse algo que Mhero não entendeu, e a porta foi fechada atrás de si. A sala estava um pouco escura, mas era possível enxergar uma cama alinhada com uma das paredes, e uma pequena latrina improvisada do outro lado.
Ainda confuso, Mhero deitou-se na cama, olhando para o teto. “ Deve ter sido a criaturinha”, concluiu, sem muito esforço. Não fazia ideia de onde se encontrava. Pensou em arrombar a porta, e tentar fugir, mas concluiu que seria um esforço perdido e perigoso. Aquele reino deveria ser em meio a uma floresta, e assim que notassem sua fuga, Mhero passaria a ser caçado.
Concluiu que seria mais inteligente permanecer ali, e esperar que os elfos decidissem soltá-lo. Pelo visto, conheciam seu tio, e tinham algum respeito por ele. Isso era bom.
Um brilho rosa começou a inundar a pequena cela. Mhero então viu que, a pequena criaturinha, de alguma forma, havia surgido em sua cela.
— Aí está você – disse mais para si mesmo – se eu o capturar, vai ser mais fácil explicar minha situação!
Saltou sobre o bichinho, que também pulou de encontro a Mhero. Novamente, um turbilhão de luz o envolveu, com um som estrondante. Mhero sentiu como se seu corpo fosse arremessado, e caiu de cara no chão.
E fez-se um profundo silêncio. Foi se levantando devagar, à medida que sua visão ia voltando ao normal. Sentiu um forte vento frio soprando incessante. O próprio chão onde estava era muito gelado.
Escutou um som gigantesco se movendo, se aproximando. Sentou-se, e sua visão embaçada só conseguiu divisar uma gigantesca silhueta se aproximando. O chão era de pedra dura, e estavam a céu aberto. A enorme figura parou bem perto, e então uma voz retumbou, palavras aterrorizantes que fizeram o corpo de Mhero estremecer, mas não conseguiu entender seu significado.
A visão voltou, e o que Mhero viu petrificou-o por completo, fazendo sua alma sair de seu corpo, gritando alucinada por socorro. Um enorme ser quadrúpede, as patas dianteiras menores que as traseiras, com dois pares de asas que pareciam alcançar os céus, uma enorme cauda e um corpo coberto por escamas azuladas. Sua cabeça era comprida, e terminava em uma bocarra enorme, repleta de dentes. Parecia um ser velho, tão antigo quanto o mundo.
Nas terras frias do norte, no topo de uma grande montanha, diziam as lendas que vivia um poderoso dragão de gelo. Ali estava, diante de Mhero, a lenda viva. A visão, magnífica e aterradora, o deixou completamente sem reação.
O dragão falava, com uma voz retumbante, mas suas palavras eram irreconhecíveis. Até que o majestoso ser chegou bem próximo, e falou devagar:
—  Pode me entender agora, humano? Perdoe-me, mas a tempos não uso esse idioma, tão pobre e medíocre quanto sua espécie.
Mhero continuou sem reação, ao que o dragão prosseguiu:
Não tenho intenção de devorá-lo, se é o que te assusta. Não tenho apetite para seres tão gananciosos como vocês. O que tenho mesmo é a curiosidade, de qual o tolo motivo que o trouxe aqui, de forma tão repentina?
— E-eu não sei – respondeu Mhero, com a voz chorosa
O dragão farejou no ar frio da montanha, observando o rapaz que agora começava a tremer, fosse pelo frio ou pelo medo.
A muito não sinto esse cheiro. Quase sendo sufocado pelo medo, o cheiro em seu sangue. Você tem parentesco com aquele homem, sem dúvidas.
O dragão rugiu em fúria, soltando uma estranha labareda azulada em direção ao céu. Mhero queria correr, mas seu corpo não respondia. Olhou ao redor, e notou algumas rochas ao fundo, e começou a considerar correr em direção a elas. Mas agora o monstro olhava fixamente em sua direção.
Filho?  — Bradou o dragão – Não, o cheiro não é tão forte assim. Irmão? Não, não deve ser tão próximo. Sobrinho talvez?
O dragão bateu suas asas agressivamente, e falou, com a voz retumbante:
Sobrinho daquele humano pestilento? Não tenho dúvidas! O cheiro insolente dele está impregnado em seu covarde sangue que mal corre em suas veias!  Mas essa não é a vingança que tenho aguardado! Não, não é!
“Que ótimo”, pensou Mhero, “o dragão tem inimizade com meu tio. Se sair vivo dessa, vou lhe perguntar uma coisa, ou duas! ”
Viu de canto de olho, um brilho rosa, atrás das rochas onde queria se esconder. Isso o fez sair um pouco do torpor em que estivera. Tinha que correr, e agarrar a criaturinha rosa. Era sua única chance de sair dali. Mas precisaria ser mais ágil que o colossal dragão.
Se levantou, e saiu em disparada. O dragão, percebendo a audácia do pequeno humano, riu profundamente, e então abriu sua boca, e dela irromperam as geladas chamas azuis, que foram tomando conta de todo o topo da montanha.
Mhero se jogou, caindo atrás da rocha. As chamas se chocaram contra a pedra, que imediatamente ficou fria e começou a estalar, como se estivessem prestes a se romper. Ao redor, as chamas dançavam, congelando tudo que tocavam.
Mhero, acuado e com as costas contra a pedra fria, nada podia fazer, a não ser fechar os olhos e rezar. O bichinho rosa surgiu, e saltou sobre seu colo. Mhero olhou-o fixamente, e mais uma vez um turbilhão estrondante o dominou. O fio desapareceu, junto com a voz retumbante do dragão.
E então o escuro foi absoluto. Aos poucos, sua visão foi voltando, e dessa vez, não escutou nenhuma voz retumbante, ou barulho misterioso. Mas haviam passos apressados, e uma voz familiar, que dizia coisas irritadas.
Aos poucos foi notando que estava de volta ao estoque da loja de seu tio, e que o mesmo estava em pé, bem à sua frente, segurando a bolinha peluda e rosa em uma das mãos, e o baú na outra.
— Cuidado tio, ele vai aprontar das suas! – Mhero gritou, ao ver a cena
— Não, não vai – seu tio respondeu, colocando-o no interior do baú, e trancando-o – O que eu te disse sobre não mexer em nada?
Seu tio guardou o baú no local onde estivera antes. Era um homem alto, com um bom porte físico, e um olhar severo e imponente. Tinha o cabelo e a barba muito bem aparadas, começando a ficar grisalhas, e um par de óculos a lhe conferir um tom mais intelectual que os demais ao seu redor. Estava muito zangado.
— Lembro muito bem de ter deixado esse baú trancado!
Mhero ficou cabisbaixo.
— Senti muita curiosidade...
— Essa curiosidade podia ter te matado!
—  O que é essa coisa? – O rapaz indagou, tentando se esquivar da zanga de seu tio
— Um viramundo.
— Um vira o que?
— Viramundo. É uma criatura mágica, pode ir a qualquer canto do mundo em um piscar de olhos. E tenho certeza que te levou a lugares bem distantes, não é mesmo?
Mhero apenas assentiu com a cabeça. O tio continuou com a bronca:
— Teve sorte que ele o tenha buscado, poderia ter largado-o no primeiro lugar onde foram! E eu nunca iria saber como encontra-lo, seu idiota!
 Mhero queria cavar um buraco no chão e enfiar sua cabeça dentro. O tio, por sua vez, virou-se para voltar para o salão da loja.
— Vou reduzir seu pagamento pela metade – declarou
— O que? Isso não é justo – Mhero protestou, se levantando
— Não é justo você violar a fechadura das minhas coisas.
— Essa coisinha me levou até o ninho de um dragão! Você não me disse que tinha algo tão perigoso guardado aqui.
— “Não mexa em nada”, lembra. Mas você deu sorte. Ele gostou de você, senão, teria te deixado lá com o dragão.
Por mais que Mhero protestasse, seu tio lhe deu apenas metade do pagamento, e o dispensou da loja com mais duas broncas. Refletiu sobre tudo que acontecera, enquanto encarava as moedas. Sem dúvidas, precisava de uma cerveja. Mas uma coisa era certo: tudo aquilo daria uma excelente história!