sábado, 6 de maio de 2017

O Viramundos

 Escrevi um conto, e o processo foi bem divertido. Mhero é um jovem que gosta de explorar terras novas, em busca de glória e riquezas. Mas seu atual estado de pobreza o obriga a aceitar um trabalho enfadonho na loja de antiguidades de seu tio, apenas por algumas moedas.
Em meio a tantas relíquias, Mhero irá encontrar algo além de sua compreensão.

 Boa leitura! Creditos ao Kaito, pela capa!




Mhero bocejou, entediado, enquanto encarava, do balcão, a loja de antiguidades completamente vazia. Nenhum freguês havia aparecido nas ultimas três horas, e o jovem já considerava que seria seguro tirar uma soneca ali mesmo. Mas imaginou a carranca de seu tio, caso chegasse de repente e o flagrasse dormindo em serviço, e concluiu que seria melhor ficar muito bem acordado.
A loja, chamada Nievro, ficava bem no centro da cidade de Allerio, numa das ruas mais movimentadas que conduziam a praça central. Estava lá desde sempre, e era referência quando se tratava de artigos raros, ou relíquias mágicas, sendo muito frequentada por magos e elfos, e as vezes alguns aventureiros procurando mapas ou chaves antigas.
Mas nesse dia, nenhum deles resolvera aparecer, para alegria e tédio de Mhero, que ficara responsável pela loja a pedido de seu tio. O rígido Andheo Nievro, dono do estabelecimento, precisara resolver algum assunto urgente do outro lado da cidade, e não tivera mais ninguém a quem recorrer.
Por mais enfadonho que o serviço fosse, Mhero aceitara de bom grado receber algumas moedas apenas por ficar dentro da loja, sem fazer nada. Já estava planejando em qual taverna gastaria seu pagamento, e daria um jeito de multiplica-lo nos dados que os bêbados estavam sempre jogando.
“ Não mexa em nada! ” Foi a ordem mais repetida por seu tio, como se Mhero ainda fosse uma criança. Mexer em que? Na loja só haviam coisas antigas e tediosas, nada que valesse o esforço. Se ao menos uma espada mágica estivesse por ali dando sopa..., mas não, seu tio era um homem assustador quando estava zangado, e a última coisa que Mhero iria querer era irritá-lo.
Sendo assim, tornou a se sentar na desconfortável cadeira que ficava atrás do balcão. Ao menos a hora do almoço estava chegando. Sob a permissão de seu tio, poderia fechar a loja por uma hora para comer, e planejava fazer isso em breve. O estômago roncou, em aprovação.
A porta se abriu, fazendo a sinetinha tocar suavemente. Mhero olhou em direção ao surpreendente cliente, como se olhasse para uma miragem. Era um homem alto, esguio, de cabelos longos e dourados, pele pálida e orelhas pontudas. Um elfo, que sorriu gentilmente ao ver a cara de espanto do jovem no balcão.
— Nievro não está? – Perguntou o elfo, com sua voz melodiosa
— Ele teve problemas para resolver, deve retornar mais tarde.
— Entendo – O elfo olhou diretamente para Mhero, causando um certo desconforto ao jovem – Você é o sobrinho dele, Mhero?
— S-sou...
— Se não for incomodo, Mhero, acredito que seu tio deixou um pacote separado, destinado a mim. Poderia olhar nos fundos? Deve estar identificado com uma runa, não é algo grande.
Mhero concordou, e foi até os fundos da loja verificar. Na parte de trás da loja, o depósito, havia muita coisa, mas totalmente organizado. Seu tio não suportava bagunça de forma alguma. Haviam caixas e mais caixas, seladas ou abertas, livros de todos os tamanhos, pinturas, estátuas, vasos... e uma pequena mesa, num canto perto da porta. Nessa mesa, uma pequena vasilha, com um bilhete. A caligrafia fina de seu tio era visível, e estava escrito “Mhero”.
— Almoço! – O jovem vibrou, ao abrir a vasilha e ver a torta que o esperava
Continuou procurando, quando um pequeno baú chamou sua atenção. Era todo preto, lustroso, e tinha detalhes em dourado. Mas sem nenhuma runa, então esse não era o pacote. Depois de vasculhar mais um pouco, achou em uma das prateleiras, uma caixa amarelada, com uma runa antiga, que se a memória de Mhero não estivesse equivocada, queria dizer “Kënda’ro”, um nome próprio.
Apanhou o pacote, e voltou até o balcão da loja, coçando a barbicha que crescia em seu queixo, com uma expressão de curiosidade:
— Kënda’ro? – Perguntou, mostrando a runa ao elfo – é seu nome?
— Sabe ler runas? – O elfo indagou, surpreso
— Um pouco, as vezes Andheo me ensina. Pode ser útil em minhas viagens, ele sempre diz.
— Quem diria. Seu tio está certo, ler runas pode ser muito útil ao explorar florestas. Basta ficar atento. Sim, meu nome é Kënda’ro.
— Bom, então isso é seu – Mhero entregou ao elfo o pacote
— O pagamento já foi acertado com seu tio. Diga a ele que agradeci imensamente, e que voltarei em três dias, como o combinado.
— Certo, eu direi.
O elfo agradeceu, e foi embora, levando seu pacote misterioso. O que havia nele, e por que o elfo retornaria em três dias, Mhero não fazia e nem faria ideia. Seu tio raramente falava sobre seus clientes, ainda mais com ele, que constantemente ficava bêbado pelas tavernas, falando asneiras.
De qualquer forma, estava cansado de tanto trabalhar. Era hora de almoçar. Trancou a porta, fixando na vitrine a placa de “fechado para almoço, retorno em uma hora”, e foi até os fundos, aproveitar seu merecido descanso.
Apanhou sua torta, um pouco de pão e cerveja, encontrou um canto confortável es e sentou em meio as mercadorias.  Apesar de cheio, o estoque era bem espaçoso. Ficou olhando todas aquelas coisas antigas enquanto comia.
O baú novamente lhe chamou a atenção. Era bonito, parecia bem polido, e os detalhes em dourado eram muito bem feitos. Decidiu que depois de comer, daria uma boa olhada nele. E foi o que fez.
Não era pesado. Estava tão lustroso que Mhero conseguia ver o próprio reflexo nele. A tranca era dourada. Será que tinha alguma coisa dentro? Estava, obviamente, trancado, mas nada que pudesse impedir alguém tão talentoso como Mhero, que abria trancas complexas numa velocidade absurda.
Apanhou sua pequena ferramenta de violar trancas, que sempre levava consigo, afinal, nunca saberia onde precisaria dela, e sem dificuldades, destrancou o cadeado, que se abriu com um clique alto.
Uma luz veio da fresta do baú, e lentamente Mhero o abriu. Uma pequena bolinha rosada repousava no seu interior. Ficou encarando-a, tentando entender do que se tratava. A bolinha começo a se mexer devagar, e logo algo que parecia uma cabeça se projetou para cima. A bolinha era um pequeno animalzinho, parecia um cachorrinho em miniatura.
Tinha uma pelagem que parecia sedosa, e mudava de coloração conforme se olhava para ela, variando em tons de rosa, roxo mais escuro e a um azul mais claro. Suas patinhas, apesar de pequenas, eram bem robustas, e uma fina calda começava a se agitar.
A criaturinha abriu dois olhinhos sonolentos, e Mhero sentiu-se hipnotizado pela graciosidade da coisinha.  Notou que o pequenino tinha um bico ao invés de um focinho, e pequenas asinhas lhe saindo pelas costas.
Passou o dedo suavemente pela cabeça do bichinho, que pareceu ronronar em satisfação. Mhero nunca vira animalzinho igual em nenhum lugar do mundo. Intensificou os carinhos, e o bichinho pareceu gostar, enquanto se espreguiçava para afastar o sono.
O bichinho irrompeu em um pulo, saltando para fora do baú. Mhero se assustou, e caiu de costas. A criaturinha pulou sobre ele, e então, uma grande confusão se instaurou no pequeno depósito.
Uns sons profundos e altos, junto de um turbilhão de luz, envolveram Mhero enquanto caía. Quando atingiu o chão, tudo ficou escuro e quieto. Confuso, Mhero foi se levantando, e aos poucos sua visão e audição iam voltando ao normal.
Ouvia uma voz profunda e suave, falando incessantemente palavras em um outro idioma. Sem entender, e ainda sem enxergar direito, o jovem foi se levantando. A voz, que parecia distante, continuou a falar, até que de repente ficou quieto. E então outras vozes começaram a sussurrar ao redor, como se uma multidão estivesse ali.
“ Que diabos? ” Pensou ele, “estão assaltando a loja? ”, mas quando sua visão voltou, as coisas que viu não foram facilmente compreendidas. Não estava na loja. Estava em um grande salão dourado, rodeado por elfos, que o encaravam, tão surpresos e assustados quanto ele próprio.
O salão era imenso, e tinha o teto muito alto, abobadado. Janelas grandes permitiam que a luz entrasse no lugar, acentuando ainda mais a cor dourada. O chão parecia de ouro, mas era feito de madeira, e um cheiro de pinho enchia o ar. Os elfos, todos vestidos belamente, como nobres, se reuniam ao redor de um trono, onde a figura majestosa de um rei se erguia, com uma coroa feita de madeira retorcida e prateada lhe adornando os cabelos amarelos.
Ajoelhado no estrado do trono, com os braços presos as costas, um homem corpulento e sem camisa, com o corpo repleto de runas e desenhos tatuados em tinta negra ou vermelha. Careca e barbudo, o homem tinha um olhar severo. Devia estar sendo julgado pelos elfos, mas agora todas as atenções se voltavam para o recém-chegado.
Os mais próximos começaram a falara coisas em seu próprio idioma, e Mhero confuso apenas dizia que não fazia ideia do que estavam dizendo. O burburinho foi se intensificando, até que o rei se levantou em seu trono, e disse com clareza:
— Quem é você, humano? E é melhor não mentir!
— Eu... me chamo Mhero, majestade – respondeu, inseguro e tentando soar respeitoso – Mhero Nievro, meu senhor.
O nome Nievro produziu algumas reações, e até mesmo o rei parecia conhece-lo.
— O que faz aqui? – Perguntou um dos elfos mais próximos ao rei – como chegou aqui?
— Eu... não sei senhor! Não sei mesmo... estava na loja de meu tio, e de repente...
Mhero ficou em silêncio, sem conseguir entender o que havia acontecido. Os elfos o encaravam com grande desconfiança, mas também nada diziam, e o silêncio cresceu no salão. Então, um dos elfos finalmente falou:
— Quer nos fazer acreditar que você simplesmente surgiu em nosso salão? Neste exato momento, de grande importância para nós?
Mhero percebeu o quão idiota era a ideia, mas não conseguia pensar em mais nada.
— Quer mesmo que acreditemos que você não possui relação alguma com este homem?
O elfo apontou para o homenzarrão acorrentado. Mhero olhou instintivamente para ele, e pode notar no olhar do prisioneiro, um grande desprezo e maldade por todos os presentes. Nunca em sua vida havia visto tal homem, mas quem acreditaria nele? Aos olhos do elfo, tratava-se de uma tentativa fútil de resgate.
— Eu não o conheço, senhor. De verdade, não sei como vim parar aqui.
Os elfos começaram a falar entre si, em seu estranho e melodioso idioma. Por fim, o rei tomou a palavra, e disse com firmeza:
— Existem magias raras que permitiriam que um homem surgisse em lugares distantes, da forma como aconteceu – fez uma pausa e olhou fixamente para Mhero – com todo respeito, este que aqui surgiu não me aparenta ser um grande mago. E não sinto vindo dele magia alguma que possa iludir nossos sentidos, nem mesmo má intenção. Seu nome é Nievro, e creio que devemos a este nome ao menos o benefício da dúvida.
Um burburinho começou a crescer, ao que o rei ergue sua mão, e toda a corte fez silêncio novamente. O rei agora se dirigia diretamente a Mhero:
— Entretanto, é um momento delicado em que você decide surgir, ainda que alegue não ter sido intencional. Com certeza deve haver alguma explicação, mas temo que não dispomos de tempo para investigar a fundo o ocorrido. Contudo, dado este momento delicado em que minha corte se encontra, não poderemos deixa-lo ir, não sem um profundo entendimento do que ocorreu. Deste modo, ficará detido até que tenhamos tempo para julgá-lo.
— Detido? – Mhero se desesperou – mas eu não fiz nada, não podem me prender, eu preciso voltar, eu....
— Até que consigamos determinar seu propósito aqui, para o bem ou para o mal, o manteremos preso. Mas não se preocupe, será bem tratado! Guardas, levem-no!
Dois soldados élficos o apanharam pelos braços, e o conduziram pelo lado esquerdo do salão, até uma porta que se abria na parede dourada. Pode ouvir a corte explodir em comentários, e a voz do rei elfo se elevando sobre todas as outras.
Foi sendo conduzido por um extenso corredor, e após entrarem em uma porta a direita, desceram uma longa escadaria, só para então entrarem em um corredor. Era bem iluminado, as paredes feitas de pedra branca, e o chão de madeira escura. Esse corredor era repleto de portas de ambos os lados, e uma delas foi aberta, e Mhero foi conduzido para o interior de uma pequena cela.
O elfo disse algo que Mhero não entendeu, e a porta foi fechada atrás de si. A sala estava um pouco escura, mas era possível enxergar uma cama alinhada com uma das paredes, e uma pequena latrina improvisada do outro lado.
Ainda confuso, Mhero deitou-se na cama, olhando para o teto. “ Deve ter sido a criaturinha”, concluiu, sem muito esforço. Não fazia ideia de onde se encontrava. Pensou em arrombar a porta, e tentar fugir, mas concluiu que seria um esforço perdido e perigoso. Aquele reino deveria ser em meio a uma floresta, e assim que notassem sua fuga, Mhero passaria a ser caçado.
Concluiu que seria mais inteligente permanecer ali, e esperar que os elfos decidissem soltá-lo. Pelo visto, conheciam seu tio, e tinham algum respeito por ele. Isso era bom.
Um brilho rosa começou a inundar a pequena cela. Mhero então viu que, a pequena criaturinha, de alguma forma, havia surgido em sua cela.
— Aí está você – disse mais para si mesmo – se eu o capturar, vai ser mais fácil explicar minha situação!
Saltou sobre o bichinho, que também pulou de encontro a Mhero. Novamente, um turbilhão de luz o envolveu, com um som estrondante. Mhero sentiu como se seu corpo fosse arremessado, e caiu de cara no chão.
E fez-se um profundo silêncio. Foi se levantando devagar, à medida que sua visão ia voltando ao normal. Sentiu um forte vento frio soprando incessante. O próprio chão onde estava era muito gelado.
Escutou um som gigantesco se movendo, se aproximando. Sentou-se, e sua visão embaçada só conseguiu divisar uma gigantesca silhueta se aproximando. O chão era de pedra dura, e estavam a céu aberto. A enorme figura parou bem perto, e então uma voz retumbou, palavras aterrorizantes que fizeram o corpo de Mhero estremecer, mas não conseguiu entender seu significado.
A visão voltou, e o que Mhero viu petrificou-o por completo, fazendo sua alma sair de seu corpo, gritando alucinada por socorro. Um enorme ser quadrúpede, as patas dianteiras menores que as traseiras, com dois pares de asas que pareciam alcançar os céus, uma enorme cauda e um corpo coberto por escamas azuladas. Sua cabeça era comprida, e terminava em uma bocarra enorme, repleta de dentes. Parecia um ser velho, tão antigo quanto o mundo.
Nas terras frias do norte, no topo de uma grande montanha, diziam as lendas que vivia um poderoso dragão de gelo. Ali estava, diante de Mhero, a lenda viva. A visão, magnífica e aterradora, o deixou completamente sem reação.
O dragão falava, com uma voz retumbante, mas suas palavras eram irreconhecíveis. Até que o majestoso ser chegou bem próximo, e falou devagar:
—  Pode me entender agora, humano? Perdoe-me, mas a tempos não uso esse idioma, tão pobre e medíocre quanto sua espécie.
Mhero continuou sem reação, ao que o dragão prosseguiu:
Não tenho intenção de devorá-lo, se é o que te assusta. Não tenho apetite para seres tão gananciosos como vocês. O que tenho mesmo é a curiosidade, de qual o tolo motivo que o trouxe aqui, de forma tão repentina?
— E-eu não sei – respondeu Mhero, com a voz chorosa
O dragão farejou no ar frio da montanha, observando o rapaz que agora começava a tremer, fosse pelo frio ou pelo medo.
A muito não sinto esse cheiro. Quase sendo sufocado pelo medo, o cheiro em seu sangue. Você tem parentesco com aquele homem, sem dúvidas.
O dragão rugiu em fúria, soltando uma estranha labareda azulada em direção ao céu. Mhero queria correr, mas seu corpo não respondia. Olhou ao redor, e notou algumas rochas ao fundo, e começou a considerar correr em direção a elas. Mas agora o monstro olhava fixamente em sua direção.
Filho?  — Bradou o dragão – Não, o cheiro não é tão forte assim. Irmão? Não, não deve ser tão próximo. Sobrinho talvez?
O dragão bateu suas asas agressivamente, e falou, com a voz retumbante:
Sobrinho daquele humano pestilento? Não tenho dúvidas! O cheiro insolente dele está impregnado em seu covarde sangue que mal corre em suas veias!  Mas essa não é a vingança que tenho aguardado! Não, não é!
“Que ótimo”, pensou Mhero, “o dragão tem inimizade com meu tio. Se sair vivo dessa, vou lhe perguntar uma coisa, ou duas! ”
Viu de canto de olho, um brilho rosa, atrás das rochas onde queria se esconder. Isso o fez sair um pouco do torpor em que estivera. Tinha que correr, e agarrar a criaturinha rosa. Era sua única chance de sair dali. Mas precisaria ser mais ágil que o colossal dragão.
Se levantou, e saiu em disparada. O dragão, percebendo a audácia do pequeno humano, riu profundamente, e então abriu sua boca, e dela irromperam as geladas chamas azuis, que foram tomando conta de todo o topo da montanha.
Mhero se jogou, caindo atrás da rocha. As chamas se chocaram contra a pedra, que imediatamente ficou fria e começou a estalar, como se estivessem prestes a se romper. Ao redor, as chamas dançavam, congelando tudo que tocavam.
Mhero, acuado e com as costas contra a pedra fria, nada podia fazer, a não ser fechar os olhos e rezar. O bichinho rosa surgiu, e saltou sobre seu colo. Mhero olhou-o fixamente, e mais uma vez um turbilhão estrondante o dominou. O fio desapareceu, junto com a voz retumbante do dragão.
E então o escuro foi absoluto. Aos poucos, sua visão foi voltando, e dessa vez, não escutou nenhuma voz retumbante, ou barulho misterioso. Mas haviam passos apressados, e uma voz familiar, que dizia coisas irritadas.
Aos poucos foi notando que estava de volta ao estoque da loja de seu tio, e que o mesmo estava em pé, bem à sua frente, segurando a bolinha peluda e rosa em uma das mãos, e o baú na outra.
— Cuidado tio, ele vai aprontar das suas! – Mhero gritou, ao ver a cena
— Não, não vai – seu tio respondeu, colocando-o no interior do baú, e trancando-o – O que eu te disse sobre não mexer em nada?
Seu tio guardou o baú no local onde estivera antes. Era um homem alto, com um bom porte físico, e um olhar severo e imponente. Tinha o cabelo e a barba muito bem aparadas, começando a ficar grisalhas, e um par de óculos a lhe conferir um tom mais intelectual que os demais ao seu redor. Estava muito zangado.
— Lembro muito bem de ter deixado esse baú trancado!
Mhero ficou cabisbaixo.
— Senti muita curiosidade...
— Essa curiosidade podia ter te matado!
—  O que é essa coisa? – O rapaz indagou, tentando se esquivar da zanga de seu tio
— Um viramundo.
— Um vira o que?
— Viramundo. É uma criatura mágica, pode ir a qualquer canto do mundo em um piscar de olhos. E tenho certeza que te levou a lugares bem distantes, não é mesmo?
Mhero apenas assentiu com a cabeça. O tio continuou com a bronca:
— Teve sorte que ele o tenha buscado, poderia ter largado-o no primeiro lugar onde foram! E eu nunca iria saber como encontra-lo, seu idiota!
 Mhero queria cavar um buraco no chão e enfiar sua cabeça dentro. O tio, por sua vez, virou-se para voltar para o salão da loja.
— Vou reduzir seu pagamento pela metade – declarou
— O que? Isso não é justo – Mhero protestou, se levantando
— Não é justo você violar a fechadura das minhas coisas.
— Essa coisinha me levou até o ninho de um dragão! Você não me disse que tinha algo tão perigoso guardado aqui.
— “Não mexa em nada”, lembra. Mas você deu sorte. Ele gostou de você, senão, teria te deixado lá com o dragão.
Por mais que Mhero protestasse, seu tio lhe deu apenas metade do pagamento, e o dispensou da loja com mais duas broncas. Refletiu sobre tudo que acontecera, enquanto encarava as moedas. Sem dúvidas, precisava de uma cerveja. Mas uma coisa era certo: tudo aquilo daria uma excelente história!

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