Escrevi um conto, e o processo foi bem divertido. Mhero é um jovem que gosta de explorar terras novas, em busca de glória e riquezas. Mas seu atual estado de pobreza o obriga a aceitar um trabalho enfadonho na loja de antiguidades de seu tio, apenas por algumas moedas.
Em meio a tantas relíquias, Mhero irá encontrar algo além de sua compreensão.
Boa leitura! Creditos ao Kaito, pela capa!
Em meio a tantas relíquias, Mhero irá encontrar algo além de sua compreensão.
Boa leitura! Creditos ao Kaito, pela capa!
Mhero bocejou, entediado, enquanto
encarava, do balcão, a loja de antiguidades completamente vazia. Nenhum freguês
havia aparecido nas ultimas três horas, e o jovem já considerava que seria
seguro tirar uma soneca ali mesmo. Mas imaginou a carranca de seu tio, caso
chegasse de repente e o flagrasse dormindo em serviço, e concluiu que seria
melhor ficar muito bem acordado.
A loja, chamada Nievro, ficava bem
no centro da cidade de Allerio, numa das ruas mais movimentadas que conduziam a
praça central. Estava lá desde sempre, e era referência quando se tratava de
artigos raros, ou relíquias mágicas, sendo muito frequentada por magos e elfos,
e as vezes alguns aventureiros procurando mapas ou chaves antigas.
Mas nesse dia, nenhum deles
resolvera aparecer, para alegria e tédio de Mhero, que ficara responsável pela
loja a pedido de seu tio. O rígido Andheo Nievro, dono do estabelecimento,
precisara resolver algum assunto urgente do outro lado da cidade, e não tivera
mais ninguém a quem recorrer.
Por mais enfadonho que o serviço
fosse, Mhero aceitara de bom grado receber algumas moedas apenas por ficar
dentro da loja, sem fazer nada. Já estava planejando em qual taverna gastaria
seu pagamento, e daria um jeito de multiplica-lo nos dados que os bêbados
estavam sempre jogando.
“ Não mexa em nada! ” Foi a ordem
mais repetida por seu tio, como se Mhero ainda fosse uma criança. Mexer em que?
Na loja só haviam coisas antigas e tediosas, nada que valesse o esforço. Se ao
menos uma espada mágica estivesse por ali dando sopa..., mas não, seu tio era
um homem assustador quando estava zangado, e a última coisa que Mhero iria
querer era irritá-lo.
Sendo assim, tornou a se sentar na
desconfortável cadeira que ficava atrás do balcão. Ao menos a hora do almoço
estava chegando. Sob a permissão de seu tio, poderia fechar a loja por uma hora
para comer, e planejava fazer isso em breve. O estômago roncou, em aprovação.
A porta se abriu, fazendo a
sinetinha tocar suavemente. Mhero olhou em direção ao surpreendente cliente,
como se olhasse para uma miragem. Era um homem alto, esguio, de cabelos longos
e dourados, pele pálida e orelhas pontudas. Um elfo, que sorriu gentilmente ao
ver a cara de espanto do jovem no balcão.
— Nievro não está? – Perguntou o
elfo, com sua voz melodiosa
— Ele teve problemas para
resolver, deve retornar mais tarde.
— Entendo – O elfo olhou
diretamente para Mhero, causando um certo desconforto ao jovem – Você é o
sobrinho dele, Mhero?
— S-sou...
— Se não for incomodo, Mhero,
acredito que seu tio deixou um pacote separado, destinado a mim. Poderia olhar
nos fundos? Deve estar identificado com uma runa, não é algo grande.
Mhero concordou, e foi até os
fundos da loja verificar. Na parte de trás da loja, o depósito, havia muita
coisa, mas totalmente organizado. Seu tio não suportava bagunça de forma
alguma. Haviam caixas e mais caixas, seladas ou abertas, livros de todos os
tamanhos, pinturas, estátuas, vasos... e uma pequena mesa, num canto perto da
porta. Nessa mesa, uma pequena vasilha, com um bilhete. A caligrafia fina de
seu tio era visível, e estava escrito “Mhero”.
— Almoço! – O jovem vibrou, ao
abrir a vasilha e ver a torta que o esperava
Continuou procurando, quando um
pequeno baú chamou sua atenção. Era todo preto, lustroso, e tinha detalhes em
dourado. Mas sem nenhuma runa, então esse não era o pacote. Depois de vasculhar
mais um pouco, achou em uma das prateleiras, uma caixa amarelada, com uma runa
antiga, que se a memória de Mhero não estivesse equivocada, queria dizer
“Kënda’ro”, um nome próprio.
Apanhou o pacote, e voltou até o
balcão da loja, coçando a barbicha que crescia em seu queixo, com uma expressão
de curiosidade:
— Kënda’ro? – Perguntou, mostrando
a runa ao elfo – é seu nome?
— Sabe ler runas? – O elfo
indagou, surpreso
— Um pouco, as vezes Andheo me
ensina. Pode ser útil em minhas viagens, ele sempre diz.
— Quem diria. Seu tio está certo,
ler runas pode ser muito útil ao explorar florestas. Basta ficar atento. Sim,
meu nome é Kënda’ro.
— Bom, então isso é seu – Mhero
entregou ao elfo o pacote
— O pagamento já foi acertado com
seu tio. Diga a ele que agradeci imensamente, e que voltarei em três dias, como
o combinado.
— Certo, eu direi.
O elfo agradeceu, e foi embora,
levando seu pacote misterioso. O que havia nele, e por que o elfo retornaria em
três dias, Mhero não fazia e nem faria ideia. Seu tio raramente falava sobre
seus clientes, ainda mais com ele, que constantemente ficava bêbado pelas
tavernas, falando asneiras.
De qualquer forma, estava cansado
de tanto trabalhar. Era hora de almoçar. Trancou a porta, fixando na vitrine a
placa de “fechado para almoço, retorno em uma hora”, e foi até os fundos,
aproveitar seu merecido descanso.
Apanhou sua torta, um pouco de pão
e cerveja, encontrou um canto confortável es e sentou em meio as
mercadorias. Apesar de cheio, o estoque era
bem espaçoso. Ficou olhando todas aquelas coisas antigas enquanto comia.
O baú novamente lhe chamou a
atenção. Era bonito, parecia bem polido, e os detalhes em dourado eram muito
bem feitos. Decidiu que depois de comer, daria uma boa olhada nele. E foi o que
fez.
Não era pesado. Estava tão
lustroso que Mhero conseguia ver o próprio reflexo nele. A tranca era dourada.
Será que tinha alguma coisa dentro? Estava, obviamente, trancado, mas nada que
pudesse impedir alguém tão talentoso como Mhero, que abria trancas complexas
numa velocidade absurda.
Apanhou sua pequena ferramenta de
violar trancas, que sempre levava consigo, afinal, nunca saberia onde
precisaria dela, e sem dificuldades, destrancou o cadeado, que se abriu com um
clique alto.
Uma luz veio da fresta do baú, e
lentamente Mhero o abriu. Uma pequena bolinha rosada repousava no seu interior.
Ficou encarando-a, tentando entender do que se tratava. A bolinha começo a se
mexer devagar, e logo algo que parecia uma cabeça se projetou para cima. A
bolinha era um pequeno animalzinho, parecia um cachorrinho em miniatura.
Tinha uma pelagem que parecia
sedosa, e mudava de coloração conforme se olhava para ela, variando em tons de
rosa, roxo mais escuro e a um azul mais claro. Suas patinhas, apesar de
pequenas, eram bem robustas, e uma fina calda começava a se agitar.
A criaturinha abriu dois olhinhos
sonolentos, e Mhero sentiu-se hipnotizado pela graciosidade da coisinha. Notou que o pequenino tinha um bico ao invés
de um focinho, e pequenas asinhas lhe saindo pelas costas.
Passou o dedo suavemente pela
cabeça do bichinho, que pareceu ronronar em satisfação. Mhero nunca vira
animalzinho igual em nenhum lugar do mundo. Intensificou os carinhos, e o bichinho
pareceu gostar, enquanto se espreguiçava para afastar o sono.
O bichinho irrompeu em um pulo,
saltando para fora do baú. Mhero se assustou, e caiu de costas. A criaturinha
pulou sobre ele, e então, uma grande confusão se instaurou no pequeno depósito.
Uns sons profundos e altos, junto
de um turbilhão de luz, envolveram Mhero enquanto caía. Quando atingiu o chão,
tudo ficou escuro e quieto. Confuso, Mhero foi se levantando, e aos poucos sua
visão e audição iam voltando ao normal.
Ouvia uma voz profunda e suave,
falando incessantemente palavras em um outro idioma. Sem entender, e ainda sem
enxergar direito, o jovem foi se levantando. A voz, que parecia distante,
continuou a falar, até que de repente ficou quieto. E então outras vozes
começaram a sussurrar ao redor, como se uma multidão estivesse ali.
“ Que diabos? ” Pensou ele, “estão
assaltando a loja? ”, mas quando sua visão voltou, as coisas que viu não foram
facilmente compreendidas. Não estava na loja. Estava em um grande salão
dourado, rodeado por elfos, que o encaravam, tão surpresos e assustados quanto
ele próprio.
O salão era imenso, e tinha o teto
muito alto, abobadado. Janelas grandes permitiam que a luz entrasse no lugar,
acentuando ainda mais a cor dourada. O chão parecia de ouro, mas era feito de
madeira, e um cheiro de pinho enchia o ar. Os elfos, todos vestidos belamente,
como nobres, se reuniam ao redor de um trono, onde a figura majestosa de um rei
se erguia, com uma coroa feita de madeira retorcida e prateada lhe adornando os
cabelos amarelos.
Ajoelhado no estrado do trono, com
os braços presos as costas, um homem corpulento e sem camisa, com o corpo
repleto de runas e desenhos tatuados em tinta negra ou vermelha. Careca e
barbudo, o homem tinha um olhar severo. Devia estar sendo julgado pelos elfos,
mas agora todas as atenções se voltavam para o recém-chegado.
Os mais próximos começaram a
falara coisas em seu próprio idioma, e Mhero confuso apenas dizia que não fazia
ideia do que estavam dizendo. O burburinho foi se intensificando, até que o rei
se levantou em seu trono, e disse com clareza:
— Quem é você, humano? E é melhor
não mentir!
— Eu... me chamo Mhero, majestade
– respondeu, inseguro e tentando soar respeitoso – Mhero Nievro, meu senhor.
O nome Nievro produziu algumas
reações, e até mesmo o rei parecia conhece-lo.
— O que faz aqui? – Perguntou um
dos elfos mais próximos ao rei – como chegou aqui?
— Eu... não sei senhor! Não sei
mesmo... estava na loja de meu tio, e de repente...
Mhero ficou em silêncio, sem
conseguir entender o que havia acontecido. Os elfos o encaravam com grande
desconfiança, mas também nada diziam, e o silêncio cresceu no salão. Então, um
dos elfos finalmente falou:
— Quer nos fazer acreditar que
você simplesmente surgiu em nosso salão? Neste exato momento, de grande
importância para nós?
Mhero percebeu o quão idiota era a
ideia, mas não conseguia pensar em mais nada.
— Quer mesmo que acreditemos que
você não possui relação alguma com este homem?
O elfo apontou para o homenzarrão
acorrentado. Mhero olhou instintivamente para ele, e pode notar no olhar do
prisioneiro, um grande desprezo e maldade por todos os presentes. Nunca em sua
vida havia visto tal homem, mas quem acreditaria nele? Aos olhos do elfo,
tratava-se de uma tentativa fútil de resgate.
— Eu não o conheço, senhor. De
verdade, não sei como vim parar aqui.
Os elfos começaram a falar entre
si, em seu estranho e melodioso idioma. Por fim, o rei tomou a palavra, e disse
com firmeza:
— Existem magias raras que
permitiriam que um homem surgisse em lugares distantes, da forma como aconteceu
– fez uma pausa e olhou fixamente para Mhero – com todo respeito, este que aqui
surgiu não me aparenta ser um grande mago. E não sinto vindo dele magia alguma
que possa iludir nossos sentidos, nem mesmo má intenção. Seu nome é Nievro, e
creio que devemos a este nome ao menos o benefício da dúvida.
Um burburinho começou a crescer,
ao que o rei ergue sua mão, e toda a corte fez silêncio novamente. O rei agora
se dirigia diretamente a Mhero:
— Entretanto, é um momento
delicado em que você decide surgir, ainda que alegue não ter sido intencional. Com
certeza deve haver alguma explicação, mas temo que não dispomos de tempo para
investigar a fundo o ocorrido. Contudo, dado este momento delicado em que minha
corte se encontra, não poderemos deixa-lo ir, não sem um profundo entendimento
do que ocorreu. Deste modo, ficará detido até que tenhamos tempo para julgá-lo.
— Detido? – Mhero se desesperou –
mas eu não fiz nada, não podem me prender, eu preciso voltar, eu....
— Até que consigamos determinar
seu propósito aqui, para o bem ou para o mal, o manteremos preso. Mas não se
preocupe, será bem tratado! Guardas, levem-no!
Dois soldados élficos o apanharam
pelos braços, e o conduziram pelo lado esquerdo do salão, até uma porta que se
abria na parede dourada. Pode ouvir a corte explodir em comentários, e a voz do
rei elfo se elevando sobre todas as outras.
Foi sendo conduzido por um extenso
corredor, e após entrarem em uma porta a direita, desceram uma longa escadaria,
só para então entrarem em um corredor. Era bem iluminado, as paredes feitas de
pedra branca, e o chão de madeira escura. Esse corredor era repleto de portas
de ambos os lados, e uma delas foi aberta, e Mhero foi conduzido para o
interior de uma pequena cela.
O elfo disse algo que Mhero não
entendeu, e a porta foi fechada atrás de si. A sala estava um pouco escura, mas
era possível enxergar uma cama alinhada com uma das paredes, e uma pequena
latrina improvisada do outro lado.
Ainda confuso, Mhero deitou-se na
cama, olhando para o teto. “ Deve ter sido a criaturinha”, concluiu, sem muito
esforço. Não fazia ideia de onde se encontrava. Pensou em arrombar a porta, e
tentar fugir, mas concluiu que seria um esforço perdido e perigoso. Aquele
reino deveria ser em meio a uma floresta, e assim que notassem sua fuga, Mhero
passaria a ser caçado.
Concluiu que seria mais
inteligente permanecer ali, e esperar que os elfos decidissem soltá-lo. Pelo
visto, conheciam seu tio, e tinham algum respeito por ele. Isso era bom.
Um brilho rosa começou a inundar a
pequena cela. Mhero então viu que, a pequena criaturinha, de alguma forma,
havia surgido em sua cela.
— Aí está você – disse mais para
si mesmo – se eu o capturar, vai ser mais fácil explicar minha situação!
Saltou sobre o bichinho, que
também pulou de encontro a Mhero. Novamente, um turbilhão de luz o envolveu,
com um som estrondante. Mhero sentiu como se seu corpo fosse arremessado, e
caiu de cara no chão.
E fez-se um profundo silêncio. Foi
se levantando devagar, à medida que sua visão ia voltando ao normal. Sentiu um
forte vento frio soprando incessante. O próprio chão onde estava era muito
gelado.
Escutou um som gigantesco se
movendo, se aproximando. Sentou-se, e sua visão embaçada só conseguiu divisar
uma gigantesca silhueta se aproximando. O chão era de pedra dura, e estavam a
céu aberto. A enorme figura parou bem perto, e então uma voz retumbou, palavras
aterrorizantes que fizeram o corpo de Mhero estremecer, mas não conseguiu
entender seu significado.
A visão voltou, e o que Mhero viu
petrificou-o por completo, fazendo sua alma sair de seu corpo, gritando
alucinada por socorro. Um enorme ser quadrúpede, as patas dianteiras menores
que as traseiras, com dois pares de asas que pareciam alcançar os céus, uma
enorme cauda e um corpo coberto por escamas azuladas. Sua cabeça era comprida,
e terminava em uma bocarra enorme, repleta de dentes. Parecia um ser velho, tão
antigo quanto o mundo.
Nas terras frias do norte, no topo
de uma grande montanha, diziam as lendas que vivia um poderoso dragão de gelo.
Ali estava, diante de Mhero, a lenda viva. A visão, magnífica e aterradora, o
deixou completamente sem reação.
O dragão falava, com uma voz
retumbante, mas suas palavras eram irreconhecíveis. Até que o majestoso ser
chegou bem próximo, e falou devagar:
—
Pode me entender agora, humano?
Perdoe-me, mas a tempos não uso esse idioma, tão pobre e medíocre quanto sua
espécie.
Mhero continuou sem reação, ao que
o dragão prosseguiu:
— Não
tenho intenção de devorá-lo, se é o que te assusta. Não tenho apetite para
seres tão gananciosos como vocês. O que tenho mesmo é a curiosidade, de qual o
tolo motivo que o trouxe aqui, de forma tão repentina?
— E-eu não sei – respondeu Mhero,
com a voz chorosa
O dragão farejou no ar frio da
montanha, observando o rapaz que agora começava a tremer, fosse pelo frio ou
pelo medo.
— A
muito não sinto esse cheiro. Quase sendo sufocado pelo medo, o cheiro em seu
sangue. Você tem parentesco com aquele homem, sem dúvidas.
O dragão rugiu em fúria, soltando
uma estranha labareda azulada em direção ao céu. Mhero queria correr, mas seu
corpo não respondia. Olhou ao redor, e notou algumas rochas ao fundo, e começou
a considerar correr em direção a elas. Mas agora o monstro olhava fixamente em
sua direção.
— Filho?
— Bradou o dragão – Não, o cheiro não é tão forte assim. Irmão? Não,
não deve ser tão próximo. Sobrinho talvez?
O dragão bateu suas asas
agressivamente, e falou, com a voz retumbante:
— Sobrinho
daquele humano pestilento? Não tenho dúvidas! O cheiro insolente dele está
impregnado em seu covarde sangue que mal corre em suas veias! Mas essa não é a vingança que tenho
aguardado! Não, não é!
“Que ótimo”, pensou Mhero, “o
dragão tem inimizade com meu tio. Se sair vivo dessa, vou lhe perguntar uma
coisa, ou duas! ”
Viu de canto de olho, um brilho
rosa, atrás das rochas onde queria se esconder. Isso o fez sair um pouco do
torpor em que estivera. Tinha que correr, e agarrar a criaturinha rosa. Era sua
única chance de sair dali. Mas precisaria ser mais ágil que o colossal dragão.
Se levantou, e saiu em disparada.
O dragão, percebendo a audácia do pequeno humano, riu profundamente, e então
abriu sua boca, e dela irromperam as geladas chamas azuis, que foram tomando
conta de todo o topo da montanha.
Mhero se jogou, caindo atrás da
rocha. As chamas se chocaram contra a pedra, que imediatamente ficou fria e
começou a estalar, como se estivessem prestes a se romper. Ao redor, as chamas
dançavam, congelando tudo que tocavam.
Mhero, acuado e com as costas
contra a pedra fria, nada podia fazer, a não ser fechar os olhos e rezar. O
bichinho rosa surgiu, e saltou sobre seu colo. Mhero olhou-o fixamente, e mais
uma vez um turbilhão estrondante o dominou. O fio desapareceu, junto com a voz
retumbante do dragão.
E então o escuro foi absoluto. Aos
poucos, sua visão foi voltando, e dessa vez, não escutou nenhuma voz
retumbante, ou barulho misterioso. Mas haviam passos apressados, e uma voz
familiar, que dizia coisas irritadas.
Aos poucos foi notando que estava
de volta ao estoque da loja de seu tio, e que o mesmo estava em pé, bem à sua
frente, segurando a bolinha peluda e rosa em uma das mãos, e o baú na outra.
— Cuidado tio, ele vai aprontar
das suas! – Mhero gritou, ao ver a cena
— Não, não vai – seu tio
respondeu, colocando-o no interior do baú, e trancando-o – O que eu te disse
sobre não mexer em nada?
Seu tio guardou o baú no local
onde estivera antes. Era um homem alto, com um bom porte físico, e um olhar
severo e imponente. Tinha o cabelo e a barba muito bem aparadas, começando a
ficar grisalhas, e um par de óculos a lhe conferir um tom mais intelectual que
os demais ao seu redor. Estava muito zangado.
— Lembro muito bem de ter deixado
esse baú trancado!
Mhero ficou cabisbaixo.
— Senti muita curiosidade...
— Essa curiosidade podia ter te
matado!
—
O que é essa coisa? – O rapaz indagou, tentando se esquivar da zanga de
seu tio
— Um viramundo.
— Um vira o que?
— Viramundo. É uma criatura
mágica, pode ir a qualquer canto do mundo em um piscar de olhos. E tenho
certeza que te levou a lugares bem distantes, não é mesmo?
Mhero apenas assentiu com a
cabeça. O tio continuou com a bronca:
— Teve sorte que ele o tenha
buscado, poderia ter largado-o no primeiro lugar onde foram! E eu nunca iria
saber como encontra-lo, seu idiota!
Mhero queria cavar um buraco no chão e enfiar
sua cabeça dentro. O tio, por sua vez, virou-se para voltar para o salão da
loja.
— Vou reduzir seu pagamento pela
metade – declarou
— O que? Isso não é justo – Mhero
protestou, se levantando
— Não é justo você violar a
fechadura das minhas coisas.
— Essa coisinha me levou até o
ninho de um dragão! Você não me disse que tinha algo tão perigoso guardado
aqui.
— “Não mexa em nada”, lembra. Mas
você deu sorte. Ele gostou de você, senão, teria te deixado lá com o dragão.
Por mais que Mhero protestasse,
seu tio lhe deu apenas metade do pagamento, e o dispensou da loja com mais duas
broncas. Refletiu sobre tudo que acontecera, enquanto encarava as moedas. Sem
dúvidas, precisava de uma cerveja. Mas uma coisa era certo: tudo aquilo daria
uma excelente história!
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