sexta-feira, 19 de maio de 2017

O Gigante que não despertou

 Um conto curto, estava eu devaneando na cama, ouvindo música, e as palavras foram se amontoando em minha cabeça. Gostei bastante do resultado. Tive boas influências do trecho onde Bárbarvore leva os Hobbits, contando o que Saruman anda fazendo em suas florestas. Enfim, boa leitura!



Sou um gigante, altivo e orgulhoso, dono de um povo sem igual em toda a face do mundo. Meus territórios se estendem desde as terras tropicais, até os frios domínios do sul, um vasto reino que daria inveja a muitos imperadores do mundo antigo.
Minhas terras são verdejantes, e alegres são os rios que correm pelos campos, e a vida salta por toda parte, cheia de formas e cores, coisas que não se encontram em nenhum outro lugar.
Não estou sendo realmente honesto. Essas são lembranças, de dias antigos há muito esquecidos, quando meu povo ainda era primitivo, e quando deuses ainda andavam por aí. Hoje, o mundo mudou, e meu povo também. Não que eu não sinta por eles um amor como o daqueles dias...mas parece que eles não sentem o mesmo.
As grandes florestas estão cada vez menores, árvores antigas das quais eu conhecia pelo nome, e que estiveram comigo desde pequenas, hoje já não são mais encontradas. As belas cores de muitos animais há muito foram esquecidas, enquanto espécies inteiras foram apagadas da face do mundo.
Cinzentos se tornaram meus campos, repletos de cidades dos homens, com seus altos prédios, e seus veículos barulhentos. E amontoados de casas tomaram os montes, de onde a alegria de outrora parece fugir.
Meu povo cresceu e se espalhou, tomou conta de todos os territórios que os entreguei, mas não da forma que esperava. Desleixados, parecem não se importar em cuidar das coisas, parecem que não se importam com a própria casa.
Tenho o poder de me tornar um dos grandes reinos da terra, senão o maior. Meus territórios não são apenas vastos, mas ricos em recursos de toda espécie, algo que reino nenhum possui. Meu povo não é apenas numeroso, mas é diverso em culturas e conhecimento, como uma fusão de quase todos os outros povos do mundo, trazendo consigo um pouquinho do melhor da sabedoria estrangeira, se misturando a nossa própria cultura. Um povo capaz de se tornar especialista em qualquer assunto que seja.
Posso fazer frente aos grandes titãs desse mundo. Mas infelizmente isso não passa de um sonho. Meu povo parece não desejar a grandeza, nem se importar em atingir a melhor forma que possamos ter. Ao invés disso se preocupam unicamente com o agora, abrindo mão de toda possibilidade de esplendor.
Os líderes, que deveriam reger meu povo com sabedoria e honra, não pensam em outra coisa que não seja acumular riquezas para si próprio. Reunindo grandes quantidades de um papel que no futuro pode não valer coisa alguma, confundem o verdadeiro poder com dinheiro.
Eles roubam de si mesmos, enquanto me destroem aos poucos, secam meus rios, acabam com minhas florestas e depredam meus campos, entregando partes de minhas queridas terras a estrangeiros sem escrúpulos. Tudo por punhados de dinheiro.
Eu lhes daria muito mais! Sim, juntos, eu lhes daria a verdadeira glória de sermos os maiores deste mundo, e o mundo seria outro sob nosso reinado! Mas eles não buscam pela glória. Eles não se importam comigo.
E na medida que a ambição destes poucos homens aumenta, o sofrimento de meu belo povo cresce igual. A miséria se espalha, junto com a ignorância e a violência. Meu povo mata a si próprio, iludidos por questões que não tem importância.
O sangue inunda minhas terras, tão forte e tão espesso, que já me sinto embriagado. E quem não sangra, chora lágrimas salgadas que destroem meu coração. Quantas famílias eu já não vi terminarem? Quantas vezes eu já não testemunhei uma criança faminta não ter o que comer? Ou um doente morrer sem ter ninguém que o conforte?
Meu povo sofre, sem nem mesmo imaginar a grandeza que poderíamos atingir. Seus olhos estão cegos, e a triste realidade em que se encontram é tudo o que conhecem. Não pensam em outra opção que não seja seguir em frente, apesar de toda a dor e desesperança que o amanhã traga.
Eu me sinto triste, imensamente triste, ao sonhar com uma realidade diferente, onde toda essa dor não tivesse nem mesmo começado. Sinto culpa por não ter feito nada que impedisse esse terrível destino.
Mas agora é tarde. Meu reino está em ruinas, meu povo está perdido, pois seus líderes já não se importam com mais nada, e todos estão divididos em discussões tolas envolvendo cores, conceitos e ideais que não levarão a lugar algum.
Dizem que meu povo é alegre, mas não se engane. Eu os conheço bem, e sei que o riso é para esconder o choro, e a alegria fingida é para sufocar a tristeza.

Eu sou o gigante que não despertou, e infelizmente, estou morrendo...

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