domingo, 26 de fevereiro de 2017

Mariposa

 Escrevi esse conto mais como um exercício, queria escrever algo que não fosse fantasia. Achei que ficou bem legal, mas né, minha opinião não conta...



Mariposa


 Naquele momento, sentado no escuro, com um copo de uísque na mão, tive um momento de lucidez. Não foi loucura trazida pelo álcool, mas foi como se a cortina que obstruía minha visão esse tempo todo houvesse caído. Sempre pensei que fosse um humano, mas talvez eu estivesse errado.  Fui tratado como um animal, desde o maldito dia em que nasci.
 Quando criança, vivi com meus pais em um bairro de classe média. Ele, um operário qualquer, programado para viver a rotina e não sair dela. Enquanto minha mãe, fingia cuidar de um salão de beleza, embora quase todo o bairro soubesse o que ela realmente fazia.
 Todo bairro, com exceção do meu velho e tolo pai. Chovia naquela noite, quando ele chegou da rua, furioso e cheirando a cachaça, batendo a porta com violência. As agressões verbais foram só as preliminares do espetáculo que viria em seguida. Com meus seis anos, fiquei embaixo da mesa, assustado demais para sequer respirar, enquanto via os socos e chutes com os quais ele destruía sua esposa.
 Depois disso, meu pai fugiu, desaparecendo de nossas vidas. Minha mãe foi ficando cada vez mais distante, o que me deixou bem solitário. Mas os anos se passaram, e ela continuou com seus meios de ganhar dinheiro.
 Na escola, as crianças zombavam dela. Chamavam-na de puta, e coisas piores. E por mais que as enfrentasse, sempre apareciam mais. Se brigava com uma, no dia seguinte haveriam três me esperando. Voltando para casa sempre cheio de hematomas, ainda assim, minha mãe não pareceu se importar muito.
 Foi quando a depressão profunda caiu sobre ela. Nunca soube do por que. Ela me fez ir morar com uma tia, irmã dela. E tempos depois, se suicidou, sozinha, no banheiro. A tia nunca teve muito apreço por minha pessoa, deixando sempre claro o quão incômodo eu havia me tornado.
 Sai da casa dela ainda com dezesseis, indo morar com uns amigos, onde trabalhei em um desmanche de carros, fazendo desde coisas simples até roubos. Ganhei um bom dinheiro naquela época
Anos depois, me envolveria com lutas clandestinas, que realmente me fizeram ganhar muito dinheiro. Eram eventos em lugares escondidos, com transmissões pela internet, em sites não muito acessíveis. Rolava muita aposta, e muitos figurões do submundo estavam envolvidos.
 Nesses dias eu fui empurrado, espancado, desmontado peça por peça. Lutei contra homens muito maiores que eu, e nem sempre vencia. Fraturas se tornaram algo frequente em minha vida. Mas o dinheiro fazia tudo valer a pena.
 Sabe aqueles filmes bonitos que passam nos cinemas? Onde o casal se encontra por obra do destino? Aconteceu algo assim comigo. Conheci Andréia, uma enfermeira, que fazia bicos tratando clandestinamente os lutadores quebrados.
 Vivemos um romance intenso e apaixonado, até nos casarmos. Continuei com as lutas por alguns anos, e ela com os trabalhos clandestinos, e conseguimos comprar a nossa casa, onde teríamos nossos filhos e seríamos felizes.
 Como uma mariposa, eu voei em direção as chamas. E minhas asas se queimaram. Ela descobriu estar com um câncer agressivo, e o tratamento não foi nada barato. Mesmo com o dinheiro das lutas, precisei pedir empréstimos aos organizadores. Mais de uma vez.
 Eu dei o meu melhor, lutei até minha alma sangrar. Mas falhei. Andréia não resistiu as constantes seções de quimio, e novamente estava sozinho nesse mundo. Endividado, perdi a casa, e quebrado por dentro, fui apanhando cada vez mais nas lutas.
 Tudo se tornou nada. A felicidade se tornou um tormento contínuo. Podia ouvi-la chorar, ao meu lado, toda vez que ia dormir. Chorando, dizendo que queria andar de bicicleta, pelo menos mais uma vez. Tomar um bom milk shake, e quem sabe, ir no cinema.
Eu não sou um herói, ou um vilão, nem ao menos um Deus, eu sou apenas um homem, olhando através da ampulheta para as pegadas na areia. Estou tirando minha armadura. Minhas batalhas aqui estão feitas, acenarei minha bandeira branca para me render, e voar para o sol.
 Sentado naquela poltrona, no pequeno cubículo em que vivo, concluo que tudo chegou ao seu derradeiro fim. Os agiotas para quem estou devendo estão vindo me cobrar. Irão entrar por aquela porta, e me bater, até ter de minha parte uma promessa da qual não posso cumprir. Vão pisar no meu orgulho, e me fazer lamber suas botas, enquanto prometo até mesmo trabalhar para pagar a dívida.

 O martelo embaixo da poltrona aguarda para resolver a situação. Com violência vivi minha vida, com violência irei termina-la. Que minha lápide seja forjada por sangue, e que minha partida possa, ao menos, ecoar em um noticiário.



 Esse conto veio por causa dessa música. E que múscia!!!


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